FERNANDO SANTO

EXERCÍCIO ORÇAMENTAL – A instabilidade fiscal dos orçamentos Estado. A preparação anual do Orçamento do Estado é um exercício contabilístico complexo, pois é preciso atender a muitos interesses, ceder a pressões políticas para satisfazer clientelas e obter as receitas fiscais necessárias, muitas das quais obrigam a opções contrárias às que seriam desejáveis para seguir a estratégia mais adequada ao interesse do país. 

Durante o período em que Portugal esteve sujeito ao Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal (Maio de 2011 a 30 de Junho de 2014), a preparação dos orçamentos esteve submetida às regras impostas pela troika, pelo que a liberdade também esteve condicionada e a maioria das medidas estava alinhada com os objetivos. Mas esse foi um período de exceção, que esperamos não se repetir, pois nas situações habituais a preparação do Orçamento do Estado está sujeita a todo o tipo de opções. Na anterior legislatura foi assim com o Adicional ao IMI, com a justificação de que aquele montante seria para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), quando o que estava em causa era uma medida de natureza ideológica. O valor desse imposto em 2018 foi de 135,3 milhões de euros, mas só uma parte foi transferida para o FEFSS. Em sentido contrário, a redução do IVA na restauração, que entrou em vigor em Janeiro de 2016, reduziu a receita em 358,3 milhões de euros nos 18 meses seguintes. Na prática e contrariamente ao que se passa na preparação dos orçamentos das empresas, o Orçamento do Estado é preparado à la carte, em vez de resultar de opções estratégicas e medidas alinhadas com as mesmas. Num orçamento de Estado em que a despesa supera os 90 mil milhões de euros, assistimos, na fase de preparação, à negociação política de verbas de reduzido valor, da ordem da dezena de milhões de euros, e à identificação das medidas equivalentes para arrecadar mais receitas. 

Emaranhado de disposições legais – Como consequência, quem teve a oportunidade de analisar um orçamento de Estado encontra um emaranhado de disposições legais que revogam ou alteram muitas outras, que por sua vez já alteraram as leis iniciais, o que obriga a uma pesquisa, perdendo-se o sentido, o âmbito e a descrição das disposições iniciais. Este emaranhado constitui uma enorme dificuldade para as empresas e cidadãos, pois em cada ano é preciso analisar e estudar as novas disposições fiscais e medidas com consequências nos investimentos e na gestão das empresas. Por outras palavras, o Orçamento do Estado não é uma lei que resulte de uma estratégia para o país, a que está associado um modelo de organização, mas uma produção anual avulsa para o Estado obter o que pretende gastar. Também por isso a opacidade é uma das suas características, afastando qualquer cidadão da sua perceção. Esta instabilidade tem contribuído para que cada vez mais se considere que o Estado não é uma “pessoa de bem, pois para além das disposições do Orçamento, que passam a lei após a sua aprovação, há ainda as interpretações dos serviços do Ministério das Finanças, muitas das quais conduzem a conflitos que terminam no Tribunal. Para além deste modelo, há ainda a considerar que a transparência e o rigor são palavras com pouco sentido, pois no orçamento de cada ano deveriam constar os montantes por pagar no final do ano anterior, os quais terão que ser pagos com as receitas e dotações previstas para o ano seguinte, a par da informação dos montantes que ficariam por pagar no final do ano do orçamento. A gestão corrente destes elevados montantes, a par das cativações, tornam ainda mais opacos os orçamentos de Estado e as conclusões sobre a sua execução. 

Investimento estrangeiro – Ora, numa época em que a globalização das economias é mais dinâmica na atração de capital, que é um bem escasso em Portugal, é evidente que o investimento estrangeiro é um importante motor do crescimento económico. Contudo, os investidores têm o cuidado de analisar o comportamento dos diferentes países antes de investirem, e se num determinado período são atraídos por medidas que os favorecem em termos relativos, quando nos anos seguintes assistem à instabilidade das disposições que determinaram os investimentos, rapidamente equacionam as suas opções. Este aspeto é particularmente significativo nos investimentos imobiliários que, pela sua natureza, são de longo prazo e são decididos com base em pressupostos que deveriam, obrigatoriamente, ser estáveis durante um longo período, pois já é suficiente para a incerteza e risco o que se passa com os licenciamentos. O investimento estrangeiro direto (IDE) em Portugal, tendo por base a série registada pelo Banco de Portugal, atingiu o máximo em 2017, com 119.800 milhões de euros, tendo reduzido 1.200 milhões de euros em 2018, com o total de 118.600 milhões de euros, contabilizando-se a entrada e saída do investimento. Um dos setores que mais investimento atraiu foi o imobiliário, mas as permanentes alterações às disposições legais que serviram de referência aos investimentos certamente não deixarão de pesar no futuro, designadamente, (i) a alteração ao Regime de Arrendamento Urbano; (ii) a imposição do Adicional ao IMI que também é aplicado aos imóveis das empresas, terrenos e edifícios para reabilitação, que constituem o stock ou a matéria-prima da sua produção, o que não ocorre em qualquer outra atividade industrial; (iii) a revogação do Regime Excecional da Reabilitação Urbana; (iv) a alteração das regras sobre o Alojamento Local e a ameaça de se reverter o não englobamento dos rendimentos prediais, medida que motivou muitos dos investimentos na reabilitação de imóveis e da alteração das regras para os residentes não habituais. 

É pois urgente um novo modelo de organização e preparação do Orçamento do Estado e ainda mais importante a estabilidade fiscal que é a base das decisões de muitos investimentos e do reconhecimento do Estado como “pessoa de bem”.