HABITAÇÃO – CUSTO DE CONSTRUÇÃO DE HABITAÇÃO incompatível com o rendimento das famílias. O atual custo de construção é um dos maiores constrangimentos ao acesso à habitação a preços compatíveis com o rendimento das famílias. Na formação do preço de venda há três principais componentes: (i) o custo do terreno ou do edifício a reabilitar; (2) o custo de construção e (3) os impostos e demais encargos administrativos e financeiros. O preço final de venda depende destes custos e de outras variáveis, tais como o contexto económico e financeiro, o equilíbrio entre a oferta e a procura, as condições de financiamento e o rendimento das famílias.
Na última década do século passado as políticas públicas promoveram o acesso massificado à habitação através do incentivo à promoção da construção, que foi acompanhado pela elevada capacidade produtiva da indústria da construção, mas essencialmente devido às condições favoráveis de financiamento. Nos últimos 12 anos, entre 2008 e 2019, a situação inverteu-se e o acesso à habitação passou a ser uma das principais dificuldades que as famílias enfrentam, agravada nos últimos três anos pelo significativo e contínuo aumento do custo de construção que tem gerado preços de venda incompatíveis com os rendimentos.
Especulação ou atualização?
Por arrastamento, o preço das habitações existentes foi também valorizado, o que não deve ser designado por “especulação imobiliária”, mas apenas por atualização do valor face ao custo de reposição do bem. Se um proprietário pretender vender a sua habitação por €2000/m2, e a seguir, para comprar uma nova, tiver que pagar €3500/m2, é óbvio que não venderá pelo valor referido mas atualizado, e isso não é especulação. Para os políticos e comentadores é mais fácil chamar especulação a esta atualização do que analisar as causas e definir políticas adequadas para resolver o problema de fundo.
Entre 2008 e 2010 o custo de construção de uma habitação de nível médio podia atingir cerca de €700/m2 de área bruta de construção acima do solo, ao qual se deveria acrescer o custo abaixo do solo, cerca de €300/m2, acrescido do IVA. Atualmente, estes custos dificilmente serão inferiores a €1100/m2 acima do solo e €500/m2 abaixo do solo, o que representa um aumento do custo direto de construção superior a 60%, que acrescido de outros encargos determina um aumento superior a 80% no custo de construção.
Atualmente, este é um dos principais problemas do setor imobiliário. Não há empresas de construção nem subempreiteiros em quantidade e com competências adequadas, e a concorrência fez disparar os custos de construção, sendo difícil fixar preços, prazos e garantir o cumprimento dos contratos. É uma situação nova que também atingiu as empreitadas de obras públicas, com muitos concursos a ficarem desertos ou com obras a serem de novo colocadas em concurso com preços revistos em alta.
O preço de uma habitação
Compreende-se os insignificantes resultados da promoção pública de habitação ou do programa de rendas acessíveis, mas em vez de se enfrentar o problema, publica-se legislação que em nada contribui para a solução. Neste contexto importa perceber a dinâmica e os fatores que têm sido determinantes para a formação do preço de uma habitação.
Durante a última década do século XX os problemas de acesso à habitação foram sendo resolvidos através do financiamento massificado para a compra, a par da construção de mais de 60 mil habitações sociais. A partir de 1996, quando a taxa de juro desceu para 6%, depois de ter atingido 30% na década anterior, registou-se o boom da construção de habitação nova. A procura existia, mas não havia capacidade financeira para comprar.
Foi através da produção em massa e da concessão de crédito para a aquisição que se resolveu o problema. Este modelo, que custou aos contribuintes cerca de 7 mil milhões de euros entre 1987 e 2011 para bonificação de juros, contribuiu para uma clara separação entre o preço que resultaria do custo da construção, terreno e outras despesas, e o preço de venda, que passou a ser definido em função do valor da prestação mensal que as famílias podiam pagar pelo empréstimo, e como consequência os preços foram crescendo na proporção da redução do valor da prestação.
O alargamento deste modelo a famílias de menores rendimentos foi conseguido através: (i) do aumento do prazo dos empréstimos, de 20 anos para 25, 30 ou mesmo 40 anos; (ii) da descida das taxas de juro, que atingiram 3% em 1999, e (iii) de critérios menos restritivos para a concessão de crédito, compensando mesmo os casos de diminuição de rendimento das famílias, a par com a redução do spread. As avaliações bancárias passaram a determinar o preço de cada apartamento em conformidade com este modelo, minimizando o critério de avaliação através do custo, podendo até incluir no preço de compra as obras de remodelação, a decoração e uma viatura na garagem.
Esta forma de fixar preços deixou de estar alinhada com o custo de construção e como tudo se vendia e com lucro, a resposta da oferta foi rápida e eficiente. Em 1998 foram concluídos 90.900 fogos e a produção continuou a crescer até ao máximo de 125.700 fogos em 2002. Em apenas cinco anos foram concluídas mais de 550 mil novas habitações, ou seja, uma média anual de 110 mil.
Oscilações na produção
A partir de 2002 iniciou-se a redução da produção, que foi drasticamente agravada com a crise financeira iniciada em 2008 e com o pedido de ajuda externa de 2011, evidenciando-se a fragilidade do sistema e a forma como os preços estavam acima do justo valor. No final de 2010 o total dos empréstimos acumulados para aquisição de habitação atingiu 120 mil milhões de euros.
A partir de 2011 os bancos receberam dezenas de milhares de imóveis, incluindo urbanizações, que tinham sido dados como garantia dos empréstimos, provocando milhares de milhões de euros de prejuízos, o que poderia ter sido minimizado caso os reguladores do sistema financeiro e as entidades da chamada troika tivessem permitido um ajustamento gradual e progressivo adequado ao contexto e à natureza deste tipo de ativos.
Entre 2013 e 2017 (cinco anos) foram concluídos apenas 43.387 fogos, com a média anual de 8677 habitações, correspondente a 8% do produzido entre 1998 e 2002, com o mínimo de 6800 fogos em 2015. A concessão de empréstimos também reduziu de 12.940 milhões de euros em 2003 para o mínimo de 1935 milhões de euros em 2013, tendo vindo a recuperar desde então, registando 9836 milhões de euros de empréstimos em 2018.
Instabilidade no setor
Para além dos graves problemas sociais provocados pela forma como este setor foi tratado e dos prejuízos provocados, qualquer avaliação simplificada teria levado à conclusão de que a paralisação da compra de habitação arrastaria a destruição do setor da construção com três graves consequências: (i) o encerramento de muitas empresas e subempreiteiros, conduzindo ao desemprego cerca de 270 mil trabalhadores; (ii) a drástica redução da capacidade instalada e do saber acumulado; (iii) desaparecimento da formação profissional baseada na experiência dos mais velhos. Para esta situação também contribuiu a ausência de investimento público em infraestruturas e edifícios.
Se até 2006 o número de fogos novos licenciados foi sempre superior aos concluídos, entre 2007 e 2014 (8 anos) registou-se o inverso. A retoma da construção de novos edifícios e da reabilitação dos existentes encontrou a capacidade construtiva muito reduzida, e a concorrência agravou este desequilíbrio fazendo aumentar rapidamente o custo da construção. Por outro lado, como as câmaras municipais não estavam dimensionadas para o aumento dos licenciamentos, as dificuldades foram agravadas implicando custos acrescidos. Para completar o cenário, a concessão de crédito passou a ser mais restritiva.
Estamos perante uma grave crise de produção de habitação que implicará preços de venda não acessíveis à maioria da população.
por Fernando Santo – Engenheiro