Tem havido políticas de habitação desde o início do século XXI? O acesso à habitação continua a ser um dos principais problemas que as famílias enfrentam, decorridas as duas primeiras décadas deste século, pelo que se justifica identificar as principais políticas de habitação que contribuíram para melhorar as condições de acesso.
Nesta matéria, contudo, e pese embora a pesquisa, pouco consigo destacar pela positiva. Pelo contrário, há a registar uma grave deterioração do acesso à habitação, com muitas dezenas de milhares de famílias que perderam as suas residências, a par da crescente dificuldade em encontrar uma habitação a preços adequados aos rendimentos, a que acresce a não dinamização do mercado de arrendamento como alternativa à compra de casa.
Se compararmos este período com os últimos 30 anos do século passado, percebe-se melhor o que acabo de referir. No início das décadas de 1970 e 1980 Portugal enfrentava uma situação grave de acesso à habitação, em quantidade e qualidade, com centenas de milhares de famílias a viver em barracas. Contudo, entre 1971 e 2001 o parque habitacional passou de 2,25 milhões para 5 milhões de habitações, ou seja, cresceu 2,75 milhões, a par da melhoria da qualidade, com quase 100% de abastecimento de água, energia e saneamento. No que respeita à eliminação dos bairros de barracas, o progresso foi também notável e chegámos ao fim do século com um número reduzido e com cerca de 120 mil habitações de âmbito social.
Arrendamento urbano
Apenas as políticas públicas sobre o arrendamento urbano, por razões ideológicas, não contribuíram para resolver as necessidades das famílias, pelo contrário, agravaram, pois o mercado de arrendamento deixou de existir a partir de 1974, devido ao ataque aos senhorios, que passaram a ter o ónus de assegurar a proteção social dos inquilinos, o que deveria pertencer ao Estado. A ausência de novas habitações no mercado de arrendamento obrigou os portugueses a uma única solução, comprar casa, recorrendo a empréstimos, que chegaram a atingir mais de 120 mil milhões de euros. Infelizmente muitas dessas famílias ficaram sem habitação após a crise iniciada em 2009, quando deixaram de poder pagar os empréstimos e o ónus da proteção social que foi imposta aos senhorios não foi aplicado nestes casos.Apesar da importância que este subsetor tem para os portugueses, seja qual for o critério, parece evidente o desinteresse a que foi sujeito, como evidencia o facto de ter sido extinta a Secretaria de Estado da Habitação, entre julho de 2004 e julho de 2017, quando o atual Governo voltou a criar esta pasta.
Com ou sem pasta, a ausência de políticas de habitação adequadas aos desafios contribuiu para não haver resposta à crescente dificuldade dos portugueses. Divulgam-se estratégias, alteram-se leis, anunciam-se medidas, mas nada se passa que possa contribuir para aumentar de forma minimamente significativa a oferta de habitações públicas, ou a atribuição de subsídios de renda com uma dimensão adequada às necessidades, apesar de nos últimos anos ter aumentado o número de famílias, em particular os jovens, com mais necessidades de apoio.
A política tem sido concentrada nas alterações cirúrgicas do regime de arrendamento urbano ou no ataque aos fundos imobiliários, o que certamente não irá contribuir para aumentar e dinamizar este mercado, pelo contrário, conduz, uma vez mais, às consequências das políticas do século passado que destruíram o mercado de arrendamento, protegendo quem tem contratos de arrendamento, mas não fomentando o mercado para quem precisa de uma habitação.
Alterações recentes
Ainda recentemente, em 12 de fevereiro, foi publicada a Lei nº 13/2019 que introduziu várias alterações no Regime de Arrendamento Urbano (RAU), destacando-se: a forma e o prazo dos contratos; a indemnização em caso de mora do arrendatário; a oposição e período de renovação do contrato; a criação da injunção, a qual permite ao arrendatário exigir do senhorio, entre outros, o reembolso dos montantes despendidos pela realização de obras que, nos termos da lei, devessem ser executadas pelo senhorio; a ampliação das situações de transmissão por morte do contrato de arrendamento que passa a abranger filho ou enteado (com 65 anos ou mais); a limitação da possibilidade de o senhorio se opor à renovação ou denunciar contratos de duração limitada para fins habitacionais celebrados na vigência do RAU, ou seja, depois de 15 de novembro de 1990, entre outras medidas.
Em conclusão, as alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2019 visam aumentar a proteção jurídica do arrendatário, invertendo a maior liberalização do mercado de arrendamento introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, procurando atribuir aos senhorios a responsabilidade pela ineficiência do mercado, consequência da ausência de habitações apoiadas pelo Estado. Só que a questão de fundo, ou seja, a oferta de mais habitação e a preços mais reduzidos passa ao lado, porque alterar leis é muitíssimo mais barato e até parece que resolve os problemas.
A habitação, tal como a saúde ou a educação, são bens essenciais, mas de custo elevado, razão pela qual o Estado assume o seu custo garantindo assim a proteção dos que têm menos condições, mas no caso do acesso à habitação as razões ideológicas colocaram de fora esse apoio e de forma demagógica tentam atribuir a responsabilidade aos proprietários ou aos senhorios.
Não são apenas os senhorios o alvo da chamada nova geração de políticas de habitação, também o turismo e os residentes estrangeiros que optaram por viver em Portugal mais de seis meses passaram a ser o alvo e responsabilizados pelos mesmos problemas. Mas não se pode ter sol na eira e chuva no nabal, como se costuma dizer, pois foi o turismo e os estrangeiros que permitiram iniciar a reabilitação urbana, requalificar as cidades e dinamizar o setor da construção, sendo os principais responsáveis pela redução muito significativa do desemprego e pelo crescimento económico.
Receitas do turismo
Segundo informação da secretária de Estado do Turismo, as receitas com o turismo cresceram 45% entre 2015 e 2018, tendo passado de 11,5 mil milhões de euros para 16,6 mil milhões, enquanto o saldo da balança turística atingiu 11,9 mil milhões de euros em 2018, ano em que os turistas gastaram 46 milhões de euros por dia.
Também ao nível do reconhecimento internacional, Portugal, como destino turístico, recebeu 4254 prémios e registou uma maior diversificação dos produtos, com mais 609 congressos nos últimos três anos, destacando-se o turismo religioso.
Atualmente, fruto das taxas de juro muito baixas e da enorme quantidade de habitações e terrenos loteados que são propriedade do sistema bancário, existem condições únicas para se promoverem políticas que permitissem aumentar a oferta e contribuir para soluções mais diversificadas a preços mais reduzidos, começando por um dos maiores pesadelos de qualquer promotor, obter uma licença de construção, de reabilitação ou de utilização. Mas quando as políticas não conseguem ter em conta as dificuldades do processo produtivo e dos custos inerentes, dificilmente poderão alcançar os resultados que permitam resolver os problemas.