FERNANDO NEGRÃO

NOVA OPORTUNIDADE À SEGURANÇA – Há quem descanse no facto de o nosso país ser considerado um dos mais seguros do mundo e com isso viver descansado como se o mundo e o crime no mundo fossem realidades imutáveis. Aproveitando esse facto momentâneo para desfilar pelo país e repetir que “somos os mais seguros”, evitando olhar para a realidade interna e externa e confirmar que se não for amanhã será depois de amanhã que tudo pode mudar e que, para isso, temos que nos preparar e estar preparados. Os números da criminalidade que hoje temos têm origem no Relatório Anual de Segurança Interna, elaborado no âmbito do Sistema de Segurança Interna, e onde são condensados anualmente todos os crimes reportados pelas Forças e Serviços de Segurança. Este documento é da maior importância para o conhecimento real do estado da Segurança no nosso país. Contudo, podia e devia ir mais longe contendo uma análise técnica e prospetiva da nossa realidade criminal. Designadamente, no que respeita aos meios humanos e equipamentos das Forças e Serviços de Segurança, analisando a respetiva adequação às necessidades sentidas no trabalho diário e se são ou não suficientes para em cada momento e circunstância dar resposta proporcional e atempada ao crime. Para além disso, seria decisivo conter uma análise acerca da evolução criminal, fazendo previsões acerca da possibilidade de poderem eclodir fenómenos criminais mais ou menos graves e que exijam das Polícias outra estratégia, com novos meios, mais recursos humanos ou maior articulação. 

 A importância dos recursos humanos. Duplamente importante, esse relatório deveria dar uma atenção especial aos recursos humanos. Sem bons polícias não há segurança. As Forças e Serviços de Segurança, constituídos pela Guarda Nacional Republicana e Polícia Marítima, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, debatem-se hoje com graves problemas de recrutamento, uma vez que foram deixadas “esquecidas” no tempo e no terreno, assim fazendo diminuir ou mesmo desaparecer no tempo e no terreno qualquer motivo de atração para os nossos jovens. Concursos abertos com reduzido número de candidatos é prova disso, mas é principalmente prova de que com urgência alguma coisa deverá ser feita. E outro problema que muito os afeta respeita, face à complexidade técnica e organizacional do crime e que se acentuará no futuro, à necessidade de efetivos altamente qualificados e para os quais não existe qualquer razão de atração que os possa chamar ao serviço da Segurança em Portugal. Infelizmente, o poder político não tem ajudado por recear a existência de qualquer documento, mesmo que classificado, que possa conter o que poderia ser confundido com críticas, reparos ou mesmo propostas concretas alternativas às existentes. E este ponto é decisivo, pois que a política criminal, embora definida pelo poder político, deve ter uma base de natureza técnica e funcional de quem conhece a realidade criminal do país e de quem a estuda. 

 Uma nova tela de crimes. A natureza dos crimes está a mudar, com uma prevalência que aumenta de ano para ano, por exemplo, do cibercrime. Em 2019, teve um aumento muito expressivo, com uma subida de 42,7%. Sendo que em crimes de burla informática e nas comunicações ocorreu um aumento de 66,7%. Estes números são bem reveladores de uma nova tela de crimes, mais sofisticados, mais complexos e mais exigentes, que precisa de ser contrariada através de novos modelos, novos meios, novas, melhores e mais frequentes formações e atualizações. Têm aumentado em número considerável os fenómenos criminais intraestatais, ou seja, que cobrem vastos espaços contendo vários países, e que quando menos se espera “estalam” no local menos previsível do mundo. São eles o terrorismo, a criminalidade organizada, o narcotráfico, os crimes ambientais, a proliferação de armas de destruição em massa, as migrações, a corrupção endémica que mina os alicerces dos Estados de Direito. Verdadeiras bombas-relógio que se podem instalar onde o lucro for maior ou onde a vigilância seja menos. 

 Manifestação de sinais. Aqui e agora começam a surgir sinais. É o gangue que sai à rua na primeira noite de estado de emergência e que dispara cerca de 20 tiros, em claro desafio às autoridades. São os crimes de sangue, cada vez mais violentos. É o designado crime informático, que vai violando todas as normas de privacidade e intimidade para a prática de crimes. É a corrupção, que ocorre em todos os setores da sociedade, mesmo os mais improváveis.  Tudo isso e o muito mais que poderá aí vir leva a que a Segurança tenha que passar a ser vista pelos decisores políticos com outra atenção e, mais do que isso, como uma função central na vida dos portugueses que deve estar bem apetrechada, deve ter os melhores técnicos e deve constituir-se como um setor da vida do país com prestígio, boas condições de trabalho e onde o risco deve ser compensado. 

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