FERNANDO NEGRÃO

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – AINDA O ESTADO. Os nossos funcionários públicos, chefias e não chefias, sempre deram o seu melhor e grande parte foram quadros de grande qualidade. Mas quase ninguém foge ao seu tempo, às artimanhas do poder, à manipulação ou à chantagem que, de forma subliminar, eram usados na “gestão” dos nossos funcionários públicos. O Estado Novo teve que construir uma Administração Pública quase a partir do zero, pois a origem foram os escassos anos da 1.ª República onde os quadros eram quase inexistentes e o Estado se confundia com o grande Partido Republicano. Na Assembleia da República existe uma zona, anexa ao plenário, que ficou denominada como “passos perdidos” por ser lugar onde os cidadãos se dirigiam para ver resolvidos os seus problemas e onde, à boa moda nacional, ficavam dias ou mesmo semanas à espera que o “seu” deputado se dignasse dar-lhes uma palavra. Como bem se vê, era o favor político e eleitoral a resolver o problema, o que resultava numa enorme despreocupação com a máquina do Estado. Tempos estes em que a democracia existia de facto mas, mais uma vez, sem conseguir pôr fim ao desleixo, negligência e desinteresse com que os problemas dos portugueses eram vistos e tratados. Com uma particularidade interessante, essa democracia vivia controlada por um partido político que não arredava pé do poder e julgava ser o único garante do livre funcionamento Este apego ao poder, este desinteresse com a construção de uma verdadeira administração pública, esta superioridade relativamente ao cidadão comum, levaram ao rápido fim da 1.ª República e à sua substituição por uma ditadura que se prolongou por longas décadas e que assentou o seu poder na autoridade despótica, na vigilância da vida dos cidadãos, na conservação da pobreza como forma de controlo social e na existência de uma administração pública – Estado – forte, dominadora, omnipresente, que não descuidava o controlo de nada, nem de ninguém.

O exercício do poder – A hierarquia era clara e funcionava através da existência de uma elite intelectual nas universidades, que por sua vez se espalhava pelos lugares de comando do Estado e pelas administrações dos grandes grupos económicos. Desta forma e também por serem poucos, pois o país não tinha como propósito o desenvolvimento, esse poder ilegítimo e autoritário dominava o país. Circunstância interessante foi a construção de uma verdadeira administração pública, que funcionava, embora à mesma fraca velocidade do país e com chefias e funcionários de qualidade, embora mal remunerados. Saliente-se que esta baixa remuneração era propositada. Fosse nas Forças Armadas, nas magistraturas ou nos hospitais. E esta era a forma que foi criada para poder controlar o funcionamento da administração. Pobrezinhos mas honrados. E, em simultâneo, existia uma “escondida” tolerância para a oferta, a prenda, o favorzinho, sempre para poder completar o vencimento, ao mesmo tempo que qualquer elogio do chefe, louvor escrito ou promoção constituía um favor tão grande e tão importante que a partir daí tudo era feito a “bem da Nação” e nunca a bem das pessoas. Assinale-se que o dinheiro a mais que era obtido pelo favorzinho era imprescindível, mas o que realmente contava era o poder que se adquiria e o poder que se via aumentar com o louvor e a promoção. Fazer esperar quem queria ver o seu problema resolvido, usar a arrogância para pôr o cidadão na ordem e desconfiar de todos com aquela frase “Quem manda sou eu”, quando a única coisa que se pretendia era levar uma vida normal onde o papel do Estado fosse o de colaboração com o cidadão para o bem comum. Era e foi sempre esta a filosofia da governação relativamente à administração pública. Os nossos funcionários públicos, chefias e não chefias, sempre deram o seu melhor e grande parte foram quadros de grande qualidade. Mas quase ninguém foge ao seu tempo, às artimanhas do poder, à manipulação ou à chantagem que, de forma subliminar, eram usados na “gestão” dos nossos funcionários públicos. É esta a “marca” da administração pública moderna do nosso país: o exercício do poder e o controlo do cidadão.

Atender o cidadão – Com a revolução do 25 de Abril, aconteceu o regresso da decência, o gozo da liberdade e o respeito pelo cidadão e, ao mesmo tempo, a vida partidária que erradamente não se preocupou com as mudanças necessários no funcionamento do Estado, mas sim com a sua conquista. E como os partidos são felizmente vários e, à altura, sedentos de poder, por via do fim da ditadura e da existência de uma clivagem ideológica fortíssima, engordaram o Estado de forma desmesurada e enxamearam-no de militantes partidários. Felizmente, os verdadeiros funcionários públicos souberam resistir e fizeram com que, no essencial, a administração pública continuasse a dar a resposta possível aos anseios dos cidadãos. Hoje, embora ainda com uma administração maior que o razoável e com a militância ainda à espreita, mas mais cautelosa, já vamos sentindo boas melhoras mas muito ainda está por fazer. E aqui o poder político tem especiais responsabilidades como assistimos nos incêndios, em Tancos, nos lares e tantos outros casos. O ponto de partida é erradicar a antiga filosofia que ainda vai subsistindo na administração pública, deixando de ser usada como instrumento de poder, para definitivamente passar a ser o “instrumento” que os cidadãos sabem estar à sua disposição para, com seriedade, coerência e transparência, resolver os problemas com que se deparam no seu dia-a-dia.

 

 

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