FERNANDO NEGRÃO

O QUE NOS DEVE PREOCUPAR 

Uma organização não governamental sedeada em Portugal há mais de três décadas e que dá pelo nome de EAPN – Rede Europeia Anti-Pobreza, tem levado a cabo um trabalho notável na monitorização da evolução do fenómeno da pobreza e exclusão social, quer ao nível nacional quer ao nível europeu, procurando ter uma visão crítica e analítica sobre as suas causas com vista à apresentação de soluções que transforma em recomendações no sentido da sua resolução. 

A EAPN tem como vocação final contribuir para a construção de uma sociedade justa e solidária, envolvendo e responsabilizando todos na garantia do acesso dos cidadãos a uma vida digna, baseada no respeito pelos Direitos Humanos e no exercício pleno de uma cidadania informada, participada e inclusiva. A título de curiosidade e no plano da sua operacionalidade, a EAPN Portugal existe ao longo de todo o território nacional através de um núcleo presente em casa um dos 18 distritos do país. Para servir o propósito elencado existem vários “instrumentos”, destacando-se o Poverty Watch, a quem cabe dar visibilidade à realidade da pobreza e exclusão a nível nacional, apresentando uma visão crítica sobre a realidade da pobreza e da exclusão, refletir acerca dessa mesma realidade e, por fim, apresentar recomendações com vista ao cumprimento da missão a que se propõe e que acima ficou expressa. 

Uma nota para assinalar os bons propósitos desta organização, salientando o seu lado operacional e a abrangência nacional. Contudo, a pobreza em Portugal continua a ser um dos maiores problemas do país e por mais recomendações que se façam de ano para ano, ou aumenta ou fica tudo na mesma. 

Este “enigma” devia obrigar-nos a exigir mais das autoridades nacionais e a apresentar recomendações por mais simples que possam ser que as obriguem a obter resultados visíveis. 

Omissão da pobreza 

Discutem-se orçamentos do Estado, como está agora a acontecer, e não se ouve uma palavra acerca da pobreza. Não chega pedir aumentos nos vencimentos, quando parece ser “proibido” falar em produtividade como forma de dar solidez a esses aumentos. Não chega aumentar vencimentos quando a escola pública tem vindo a ser abandonada não dando a devida literacia aos nossos jovens para a construção de uma vida organizada. 

De acordo com o Poverty Watch, Portugal 2024, um relatório elaborado anualmente pela organização, os baixos salários, a precariedade laboral, as baixas prestações sociais e a falta de acessibilidade a serviços de qualidade são as causas estruturais da pobreza em Portugal. 

Em Portugal o valor abaixo do qual alguém é considerado pobre situa-se em 2020, nos 6653 euros anuais, o que equivale e 554 euros mensais (12 meses). Nos anos seguintes a situação foi piorando, tendo ocorrido um fenómeno invulgar e chocante, que é o dos pobres e mesmo sem abrigo daqueles que trabalham. 

Este é o mais claro exemplo de que a pobreza se mantém e até aumenta, agora com milhares de pessoas, onde se incluem muitos jovens, sem acesso a habitação mesmo que trabalhem, sem acesso a bens de consumo prioritários mesmo que trabalhem, sem acesso a educação de qualidade mesmo que trabalhem. 

Termino com uma palavra sobre a pobreza infantil, que diz respeito a crianças que vivem em agregados familiares cujo rendimento está abaixo de 60% do rendimento mediano nacional. Em todo o mundo, as crianças têm maior probabilidade de viver na pobreza do que os adultos e são também mais vulneráveis aos seus efeitos. Pobreza infantil significa que uma criança cresça numa família com baixos rendimentos e baixo exercício de direitos. 

Tenhamos esperança de que, pelo menos no próximo Orçamento do Estado, as propostas e sua discussão se centrem em duas realidades que só aparentemente não têm ligação, a economia e a pobreza. 

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