FERNANDO NEGRÃO

A JUSTIÇA

À semelhança de outros episódios” no passado, quase sempre despoletados por erros ou omissões na nossa Justiça não explicadas, passamos agora por mais um tempo de trevas.Tempos estes e circunstâncias estas que não diferem muito das outras. Quase sempre najustiça criminal, envolvendo “poderosos”, ou na justiça de família, envolvendo anónimossem poder, como por exemplo as crianças.

Desde há cerca de 25 a 30 anos que a justiça criminal se começou a deparar com inquéritos e processos envolvendo pessoas com muito dinheiro e influência e outras ocupando lugares de muito poder na estrutura do Estado, designadamente políticos.

A justiça mansa que era feita diariamente até há quase duas décadas, em que a criminalidadeeconómico-financeira era praticamente inexistente e os chamados “poderosos” não eram investigados, era assim porque o Estado Novo entendia que assim deveria ser e assim continuou porque os tribunais continuaram a funcionar numa enorme demora no que respeita a mudanças.

O conhecido Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, tinha nas duas décadas posteriores à revolução o seu tempo e os seus meios dedicados quase completamente a julgamentos de tráfico de droga e a um ou outro homicídio que esporadicamente acontecia. Tribunais de Família não existiam, sendo que os assuntos relativos às crianças e às famílias eram instruídos e julgados por aqueles que ao mesmo tempo despachavam ações de despejo, pagamento de dívidas, acidentes de viação ou providências cautelares. Procuradores e juízes sempre muito ocupados e, por isso, sem tempo para perceber que o mundo estava a mudar, as sociedades a transformarem-se rapidamente e os cidadãos a tornarem-se mais exigentes. A par com procuradores e juízes na ausência de visão para a Justiça, estavam os responsáveis políticos que nem queriam ouvir falar de problemas na Justiça, pois os da Saúde, Educação, bem como o desenvolvimento económico e as contas púbicas já lhes consumia os recursos e o tempo.

E assim ficou a Justiça numa espécie de abandono, mantendo ancestrais costumes nas práticas judiciais e completo alheamento relativamente às mudanças profundas que iam acontecendo na sociedade.

Repentinamente e em consequência das mudanças estruturais ocorridas na estrutura económica do país e nos costumes dos seus cidadãos, a comunicação social descobriu os tribunais como fonte importante de notícia. O conjunto destas circunstâncias levou o Ministério Público e os Tribunais/juízes a serem confrontados com práticas criminais de grande complexidade para as quais não estavam munidos dos meios necessários, da formação adequada e da atitude necessária para juntar na investigação criminal a coragem das práticas e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias.

O resultado, como seria de prever, não foi bom. Principalmente nos inquéritos que eram abertos pelo Ministério Público, que vivia momentos entusiasmantes de crescimento que eram dados ao conhecimento dos cidadãos através dos media e que, não havendo desenvolvimentos,desapareciam, deixando para trás um rasto de “vítimas” que nunca perceberam o que lhes aconteceu e paragens a meio por desconhecimento de como prosseguir.

Foram tempos de fogo, em que o Ministério Público abria inquéritos atrás de inquéritos, parecendo por vezes que interessava mais a sua própria afirmação do que a descoberta da verdade.

Precisamos de melhor justiça penal, pois é nela que melhor se vê o respeito de cada sistemapelos procedimentos democráticos e pela dignidade humana. Precisamos, na justiça penal, de mais e melhor segurança jurídica, pois é nela que as respetivas ações de investigação mais podem molestar os direitos, liberdades e garantias. Precisamos de maior discrição, mais cuidado no falar e no agir, maior reserva, sigilo e resguardo!

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