FERNANDO NEGRÃO

O ESTADO A “RUIR” – São enormes as dificuldades de apoio a uma população cada vez mais envelhecida, a par da questão da sustentabilidade do sistema de pensões, quando o tempo de esperança de vida é cada vez maior e os índices de fecundidade são cada vez mais baixos.
“(…) o casal esperou mais de dois anos por uma vaga. ‘O meu pai contou que, na secretaria, lhe sugeriram que fizesse um donativo por fora para apressar a entrada (…) Pouco tempo depois, chamaram-no: já havia um quarto disponível. Ele nada disse, mas fiquei logo desconfiada de que tinha dado alguns milhares de euros pela porta do cavalo…’”

Para melhor análise da questão demográfica, é importante verificar a evolução no tempo do total de pensões pagas pela Segurança Social (SS) e pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), como as de velhice, aposentação, reforma, invalidez ou sobrevivência. Em 1970, a SS pagou 187.297 pensões e a CGA 73.510, que em 1976 subiu para 1.051.836 e 86.918, respetivamente. Este salto, que na SS é expressivo, podendo ser explicado pela mudança de regime ocorrida a 25 de Abril de 1974, não poderá também ser desligado de uma evolução significativa ocorrida nos anos de 1971 a 1975 – 231.867, 304.852, 530.393, 701.561 e 861.705, respetivamente. Para melhor compreensão, constata-se o facto de em 2019 a SS ter pago 2.954.755 pensões e a CGA 645.528.

DIFICULDADES NAS RESPOSTAS SOCIAIS – “‘Mudavam os doentes de cama, mas esqueciam-se de alterar os nomes e trocavam os medicamentos. Vi cenas inacreditáveis: uma senhora nua, em fuga pelo corredor, e um funcionário a dar banho aos velhotes com uma mangueira e uma vassoura (…) Fui visitá-lo e a saliva estava de tal maneira colada à garganta que mal conseguia respirar. Tirei-a eu, com um lenço de papel’. [Internado] momentaneamente no hospital privado de Alfena, [constatou-se que] ‘estava desidratado. No bloco operatório tentaram desobstruir-lhe a garganta, mas não conseguiram pôr a sonda’.”

Utentes com alta clínica, mas que não podem ir para casa por precisarem de resposta de lares ou de cuidados continuados, vão ficando pelos hospitais dias sem conta, uma vez que o tempo de reposta aos pedidos de apoio económico em lar é muito demorado e a Rede Nacional de Cuidados Integrados não responde em tempo útil. Bem sabemos que isto acontece pelas enormes dificuldades nas repostas sociais aos nossos idosos, seja no serviço de apoio domiciliário, nos Centros de Dia, Centros de Noite, acolhimento familiar e lares de idosos. São grandes as dificuldades, mesmo de instituições centenárias como as Misericórdias e as mais recentes Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), que se vêm confrontadas com uma população cada vez mais envelhecida, bem como pela cada vez maior fragilidade da instituição familiar que se vê resumida ao casal e ao filho e nalguns casos a mais de um, e ainda, pela ausência de uma política que, contando com todos, tenha a capacidade de enfrentar este tão grave problema de apoio aos idosos que são cada vez mais em número e também com cada vez menos qualidade de vida.

SUSTENTABILIDADE DO SISTEMA DE PENSÕES – Como grande problema resta a questão da sustentabilidade do sistema de pensões, quando o tempo de esperança de vida é cada vez maior e os índices de fecundidade são cada vez mais baixos,destacando–se o nosso país como tendo um dos mais baixos da Europa. Estima-se que entre 2020 e 2070 a população baixe para 7,9 milhões e os pensionistas subam para 2,7 milhões, levando a défices crónicos no sistema a partir de 2027, mesmo com aumentos nos valores das contribuições. Nos últimos anos e como medidas de transição, têm sido aprovadas medidas de reformas paramétricas, como por exemplo alteração do cálculo das pensões, aumento da idade da reforma e penalizações acrescidas das pensões antecipadas e medidas de adaptação das pensões à evolução demográfica e económica. Sendo que o resultado tem sido a contínua redução do valor da primeira pensão em relação ao último salário, bem como da pensão média em relação ao salário médio. Uma incógnita vem agravar o problema já de si suficientemente complexo, que é o de saber se os sistemas contributivos da Segurança Social estarão aptos a acomodar a crescente atipicidade laboral e hiatos contributivos no quadro dos novos modelos tecnológicos.
Assim sendo, mesmo com as medidas de natureza paramétrica que têm vindo a ser adotadas, que mais não fizeram que deteriorar o nível adequado das pensões, definitivamente existe um problema de sustentabilidade da Segurança Social, que exige uma atenção política adequada, transversal, abrangente e urgente.

TRABALHO VALIOSO – Termino, realçando o valioso trabalho levado a cabo por todas as instituições de apoio a idosos, reforçando a necessidade da maior e melhor fiscalização por parte do Estado, de forma a evitar casos como os relatados em dois parágrafos deste texto.Espaços fechados com gente frágil e doente exigem a atenção de todos e, em especial, a fiscalização das entidades públicas que não podem ser cúmplices de um único ato que seja, que atente contra a dignidade de qualquer pessoa e, em especial, os mais velhos!
Fontes:
IGFSS (até 1998)
ISS/MTSS (a partir de 1999)
CGA/MTSSS-MF
Pordata
Reportagem do jornalista Miguel Carvalho
(“Sofrer e morrer no Lar do Comércio”),
publicada na revista Visão de 9
a 15/12/2021

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *