REFORMISMOS
Quando lerem isto já teremos Governo. Já houve a eleição de nova Assembleia da República e, assim espero, terá sido possível encontrar um qualquer tipo de consenso que possa garantir a governação estável de Portugal. Durante a campanha falou-se muito de maiorias e também, para escândalo de alguns, da necessidade de reformas. Hoje, enquanto escrevo estas linhas, penso que apesar de toda a conversa da estabilidade nunca se chegou a falar de política de saúde, de necessidades, de procura de cuidados e da falta de respostas no SNS. Já sei que há quem estranhará esta minha afirmação que não é mais do que constatação. Falou-se, até à exaustão, de serviços de urgência, de utentes sem médicos de família, de supostas privatizações do SNS, de hipotéticas PPP, de “reformas” administrativas imaginadas, em curso ou para fazer, mas nunca se falou do que mais importa na Saúde. Nunca se falou da sustentabilidade do sistema de saúde deste país. Nenhum partido, nenhum dirigente, perdeu um pouco do seu tempo a focar-se no que mais nos deveria importar. Até quando será sustentável manter a garantia de proteção da saúde em Portugal? Quais os caminhos para manter um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito? O que é queisto quer dizer? Universal para quantos? Geral até onde? Gratuito, no ponto de contacto, de que forma? Ninguém se comprometeu e, desconfio, nenhum deles fazia ideia. Ou se sabia e tinha noção, não quis antecipar más notícias. “Más” porque talvez impopulares.
Ficou por saber, apesar das informações programáticas vagas que todos gostam de inscrever nos programas, como pretendem diminuir a carga de doença, melhorar a qualidade do sistema de saúde e diminuir o desperdício. Ninguém se comprometeu com medidas intersectoriais e multidisciplinares específicas e concretas para promover a saúde e prevenir as doenças. Não se falou de controlo do tabagismo, de eliminação nem pensar, de diminuir o consumo de álcool per capita e, prudentemente, não quiseram esboçar opiniões sobre drogas psicotrópicas ilícitas. Sobre eutanásia, os opositores da ideia não foram além de propor um referendo. Não houve uma alma que previsse o IVA sobre o vinho a 23%, como seria lógico se é essa a taxa para as outras bebidas com álcool. Nada sobre o aprofundamento da legislação que protege as pessoas da exposição ao fumo de tabaco. E sobre cigarros eletrónicos, não tinham opinião? Sobre alimentação saudável, o que pensam? Como vamos aumentar os índices, baixíssimos, de atividade física da população? Educação para a Saúde nas Escolas? Vamos repor as Escolas promotoras da Saúde, generalizar o modelo? E quanto a gastos? Vamos disciplinar o acesso a fármacos de preço elevado e benefício baixo? Vamos racionalizar a despesa? Vamos olhar para distribuição dos equipamentos? Vamos recuperar, reparar, relocalizar? Como vamos remunerar os profissionais? Quantos serão?
Enquanto vou agora escrevendo, não sabemos as respostas e vamos ter de esperar para ver. Talvez, assim desejo, na hora em que lerem o texto já haja quem no Governo saiba o que é preciso fazer, como e com que meios. Quem sabe, talvez haja uma equipa com condições, palavra tão grande, para trabalhar no Ministério da Saúde. Neste momento em que bato nas teclas do computador, em termos de políticas e reformas para a Saúde quase só são conjeturas vagas e desejos. Quando estiverem a ler estas linhas terá de ser tudo diferente. Não, não esperemos por mais planos de emergência. O que queremos e precisamos é de reformas abrangentes que vão à raiz dos problemas, garantam sustentabilidade do sistema de saúde e promovam um Portugal mais saudável e, por isso, mais próspero.