FERNANDO LEAL DA COSTA

OLHAR EM FRENTE

Conta-se aquela anedota do presidente que na tomada de posse terá dito que tinha encontrado a nação à beira do abismo. “Comigo dará o passo em frente!” Enfim, não será o caso de Portugal nem do próximo primeiro-ministro. Mas, no que concerne a Saúde, haverá quem diga, já o diz há dezenas de anos, que o SNS olha o abismo. Não será totalmente assim, mas é honesto reconhecer que a garantia constitucional de tudo fazer para salvaguardar o direito à proteção da saúde está cada vez mais difícil. Sabemos porquê. Há mais necessidades do que capacidade para lhes responder. As causas estão identificadas, apesar de haver muita confusão e discórdia. Confusão na atribuição de valor a cada uma das causas prováveis e discórdia nas soluções possíveis.

Não sabemos se o Governo vai mudar. Se sim, quem for o contemplado com a direção da política para a Saúde terá de ter um mapa claro sobre o que fazer, atacar as causas com medidas de intervenção rápida, assumir que não poderá tratar de tudo em simultâneo, perceber o que é essencial, procurar soluções que possam resolver mais do que um problema e apresentar-se com uma liderança indefetível. Só isto? É claro que não. Vai arrostar com um passado que nos conduziu onde estamos e vai precisar de tempo. Tempo político, de governação, que o Governo em funções não teve e, temo, o próximo também não terá. Como não terá, receio bem, condições para a fixação de plataformas de entendimento pluripartidário para a reforma do SNS, a longo prazo, que lhe possam garantir a sustentabilidade que está em permanente ameaça.

Vai ser preciso cuidar dos recursos humanos, manter e renovar estruturas e equipamentos, identificar estrangulamentos, resolver carências relevantes para a saúde do maior número possível de pessoas, intervir precocemente na saúde de cada um, influenciar comportamentos, alinhar as políticas interministeriais com as necessidades decorrentes da proteção da saúde, assegurar o básico – não é o mais simples, mas é o que está na base e sustenta o edifício –, não desperdiçar no que for mais diferenciado – porque é diferente e só pode ser aplicado a quem beneficiar de “coisas” ajustadas às diferenças –, separar o frequente do que é raro, envolver todos e tudo na prossecução de objetivos. Objetivos que devem ser indicadores de saúde e não apenas números de cirurgias ou de consultas. Hercúleo e, lamentavelmente, nada de novo. Apenas mais agudamente necessário. Em suma, assegurar um SNS com qualidade, efetivo, seguro, eficiente e satisfatório, que seja durável e comportável. Comportável num mundo em que há que “desviar” gastos para a manutenção da segurança, um sine qua non da proteção da saúde, e a nossa defesa coletiva.

Conversa da treta? Não é. Mais do mesmo? Talvez. Se for mais do mesmo é porque não fizemos, por enquanto, o que já deveria ter sido feito. Mas nada se resolverá se nos mantivermos num ambiente de catástrofe e passa-culpas para o anterior, tratando de governar para comprometer o êxito do sucessor. O SNS tem pontos de fraqueza estrutural e de rotura. Consolidemos os primeiros e tratemos dos segundos. Mas ainda tem forças que devem servir de apoio para o que aí vem. Tenho vários doentes estrangeiros que vieram de países com elevado nível de desenvolvimento. Por exemplo, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, só para citar alguns. Além de nacionais que regressaram da emigração na Suíça e de países já citados. Dizem-no com sinceridade. “Onde estávamos não eramos tão bem tratados.” “Se lá tivesse ficado, já não estaria vivo.” E é verdade, eu sei que é. E é fundamental que, na Saúde, continuemos a ser melhores do que os outros para que possamos ser também melhores em tudo o resto.

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