FERNANDO LEAL DA COSTA

SOU CANDIDATO

Depois de um período de reflexão, necessariamente longo, a que se seguiu uma auscultação à família próxima, incluindo os cães, percebi que tinha de ser candidato e decidi que vou concorrer. Tenho vontade, capacidade, saber e apoios, em duas pernas, para ser candidato. Há, como sempre, a possibilidade de me candidatar a PJ, presidente de junta, PC, o da câmara, ou mesmo PS, do Sporting. Mas não, é a PR que vou. P da República e logo da Portuguesa que é a de que sou cidadão e conheço melhor. Tonga, que seria a minha primeira escolha, é uma monarquia, e Kiribati, a segunda preferida, está a afundar-se a um ritmo maior do que Portugal, apesar dos esforços do engenheiro Guterres, fotografado de peúgas molhadas, e da inigualável Greta sem garbo. Presidente da República Portuguesa é o que eu pretendo, a família deseja e os Portugueses querem, até os que ainda não sabem o que querem, diria que é a maioria, cujo voto terei de conquistar nas urnas. Desde já, anuncio que é uma decisão revogável, o que significa uma probabilidade infinitamente maior de resistir ao tempo do que se fosse irrevogável.

O país precisa de tratamento e, por isso, é a altura de ter um médico na inutilidade presidencial. Prometo não fazer figuras muito tristes, já que nas tristes poderei incorrer. Acontece a todos. Mas não comerei com as mãos, exceto espargos, nem roubarei víveres fritos da travessa dos outros. Não precisarei de fazer comentários indiretos sobre a anatomia de cidadãs, já vi anatomia que chegue, embora não me comprometa a deixar de manifestar a minha preocupação com agasalhos em época fria. Não vou à praia, confesso não apreciar a areia, pelo que não há risco de mudar de cuecas em público. Não tenho farda, mas posso usar bata branca em campanha e em cerimónias oficiais, ressalvando a casaca para receber embaixadores. Tenho uma condecoração e uma medalha, mais do que a maioria dos eleitores, mas aceito que perco para com as fileiras “soviéticas” e coloridas, em andares que ocupam a totalidade do hemitórax esquerdo de um qualquer almirante. Chapéu? Arranja-se, embora a careca seja uma característica diferenciadora que me aproxima das minorias e deva ser exibida. Chapéus há muitos, carecas também, mas menos do que cabeleiras.

Não tenho esqueletos no armário, mas devo confessar que durante os meus anos de faculdade dormi com um esqueleto debaixo da cama. Completo, com esfenóide e etmóide isolados, uma raridade. Já não o tenho. Com emoção e dor de separação devolvi-o aos donos, não ao proprietário original, entenda-se. Portando, ossos guardados, não tenho. Pecados? Tenho alguns que, embora seja Católico em dias festivos e funerais, ainda não confessei. Respeito muito a saúde mental dos confessores. Sou sério. Mas gosto de rir de mim próprio. Tenho um humor que alguns poderão achar escuro, nada contra negros, mas é a defesa típica de quem trata cancros. Acho que poderei ajudar os governos ultraminoritários que teremos até 2034, sim, é certo que vou para dois mandatos, a identificar algumas das doenças preveníveis e tratáveis que a política e a sociedade vão tendo. Mas também desconfio que dada a escassa utilidade da função presidencial e com a minha propensão para jargão, em que causa significa etiologia, anódino é não fazer mal e cefaleia é tentar aprovar um orçamento de estado, os futuros PM não me vão ouvir, nem perceber.

Irei respeitar a vontade dos eleitores, em especial dos que votarem em mim. Mas se não votarem não serei eleito e não terei de respeitar a vontade do Povo, do Nobre Povo e da Nação Valente. Conheço a constituição, a de muita gente e a da República. Com a ajuda do Google posso falar quase todas as línguas. Sou contra a legalização da venda de estupefacientes, a favor do planeamento familiar que dispense o aborto e não praticarei eutanásia. Estão a ver? Já manifestei mais opiniões do que qualquer um dos meus putativos adversários. Não desistirei. Irei até à 3.ª volta se for necessário.

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