OS “MEIAS TINTAS”
Sabem muito, os “meias tintas”. Eles andam aí, por todo o lado. Há para todos os gostos. Magros e gordos. Carecas e cabeludos. Morenos e louros. Altos e baixos. Velhos e novos. Míopes e presbíopes. Duram muito. Precisamente porque são “meias tintas”. Adaptam-se bem, a tudo. Sobrevivem como mais ninguém. São conhecidos de todos. Ou melhor, conhecem toda a gente. Pelo menos a “gente” que importa. Há-os com graça e folgazões. Os tristes e os sempre zangados que nos querem convencer da sua seriedade. O humor é variável consoante a perceção apurada que têm do que se espera deles. Choram com crises longínquas que nada lhes dizem e não lhes interessa as figuras tristes que possam fazer. Pose, pose é o que não falta aos “meias tintas”. Há “meias tintas” de todo o género e dos dois sexos. Enfim, nesta questão o “meias tintas” é macho ou fêmea. Podem tentar, mas aqui a tinta é azul ou cor-de-rosa. Adiante.
O “meias tintas” tem cargos, não pode ter funções. Não é suposto fazer. O “meias tintas” comenta, não faz, e está sempre no meio, no cravo e na ferradura, não vá o diabo tecê-las. O “meias tintas” fala, evita escrever. Palavras leva-as o vento. O “meias tintas” não participa, não pode. É voyeur. Mas olham, não se iludam, porque eles olham com atenção. O “meias tintas” é espelho, um imitador. Não será fácil viver a vida como ator. O “meias tintas” não trabalha, almoça. Às vezes janta, quando o horário assim obriga. Se pudesse, à noite, seria sempre chá e torradas. O “meias tintas”, ao contrário do que seria de esperar, não tem boa boca. Isso não. Não vai “trabalmoçar” numa espelunca qualquer. Ao fim do dia, empanzinado do bom e do melhor, já não lhe sobra espaço para meter mais no bucho. À noite, quando não é dia de atuar, os “meias tintas” enchem o tinteiro a ver, ouvir e cheirar a tinta dos outros. Um “meias tintas” não pode destoar do main stream. Não que possa desbotar, não tem cor, mas convém estar alinhado com a opinião dominante. O “meias tintas” tem partido, é filiado, mas não toma partido. Mais seguro… Os verdadeiros “meias tintas” opinam sem dar uma opinião. Não se comprometem. O “meias tintas” vai longe. Olha para longe.
Eles estão aí, todos os dias, a encher-nos o espaço. Mesmo quando não aparecem. Temos “meias” que se veem, do mal o menos, e “meias tintas” que andam submersos, com o periscópio a sondar a superfície, à espera de emergirem para deixarem uma “boca”, um “conselho”. Os “meias tintas” têm sempre quem os queira ouvir. Amigos de férias, de almoços e jantares, de tertúlia, de clube, de loja, do comércio. O “meias tintas” é influente. É engenheiro, faz pontes. Não há quem não dispense os conselhos dos “meias tintas”. Como não? O “meias tintas” é perito. Não sabe do quê, mas é. Tem dias em que é “genial”. Excede-se em saber tudo, mesmo sobre aquilo em que é absolutamente ignorante. Influencia, planeia, conspira, urde, com desejos de ser Talleyrand, sem ter os saltos nos sapatos. O bom “meias tintas” é importante na razão direta da sua irrelevância. É o rei do óbvio. O “meias tintas” é entretenimento. É adivinho. Acerta sempre. Nas horas e duas vezes por dia. E acerta depois. Nunca falha. Prognostica o que já se sabe que vai acontecer. Não arrisca e isso é tomado como sensatez. E é. O “meias tintas” não salta para piscinas sem água. Não salta para piscina nenhuma! Não se molha, não se suja. É asséptico. O “meias tintas” é um artista. Não imagina, não precisa. O “meias tintas” inventa. Eu gosto dos “meias tintas”. Dão-me sono. O “meias tintas” é relaxante como um soporífero. São um sucesso estes “meias tintas”, os extremistas do centro. Invejo os “meias tintas”. Tanta maçada em que já me meti e não teria metido se soubesse ter sido “meias tintas”. Conheço vários. E não lhes aproveitei as lições.
Mais alguém conhece um “meias tintas”? Aproveitem, aprendam com ele. Sabem muito, os “meias tintas”.