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No mês passado, a propósito da seleção de uma pessoa para a lista concorrente às eleições de deputados do Parlamento Europeu, levantou-se grande discussão sobre o candidato – jovem e mediático – e a sua notoriedade,conquistada através de suposto jornalismo político e na imprensa escrita, radiofónica e televisiva. Claro que não é um jornalista, não me lembro de o próprio ter dito que era, mas é um comentador de política e, logo por isso, com conhecimento dos meandros políticos. Devo acrescentar que tem formação académica em política e, imagino, em policymaking. Em suma, não será desprovido de qualidades e capacidades.
O jovem, porque é jovem, despertou invejas e vilipêndios. Nada de novo. Um comentador, jornalista, seja o que for, não pode passar da TV para a política. Digam isso ao Senhor Presidente da República e a uns quantos putativos candidatosa presidente de qualquer coisa. E da política para o écran? Salário considerado, porque isto de ser político honesto não dá grandes rendimentos, the media fervilham de políticos reformados, frustrados, in limbo, “afastados” e, pois claro, de mais uns quantos no ativo, a quem uns dinheiritos extra e a possibilidade de se tornarem mais presentes dá muito jeito.
Quanto à juventude, recorro a uma analogia. “Naquele tempo”, tradicional fórmula evangélica de iniciar a prédica, não havia net, TV, smartphones. Escrevia-se à mão, com bloco de notas porque não havia gravadores, e só se publicava em papel. Assim, Winston Churchill, com 22 anos iniciou a sua carreira de jornalista. Isso mesmo, jornalista e repórter de guerra. E logo num conflito a que chegou atrasado. O inimigo já se tinha rendido. O resto é história, entre política, liderança e o prémio Nobel da Literatura. Digamos que agarrou as oportunidades e, obviamente, tinha talento. Haja esperança.
E depois, há sempre um depois e adições argumentativas, chega-se lá, à política, aos media, aos empregos, porque se tem “contactos”. Pois, se ninguém nos conhecer, será sempre difícil que alguém se lembre de nós. Há uns mais expeditos, fura-vidas, sempre em almoços, lanches, jantares, convidando e fazendo-se convidados, sem outro trabalho conhecido que não seja o de se fazerem notados, que chegam aos bons “lugares”, aqueles para que não têm competência, nem saber, mas que dão notoriedade – coisa diferente de prestígio – e possibilidades de angariar rendimento e ocupação, sem que esta última seja, ou dê, trabalho. Há uns artistas nesta coisa dos “contactos”. Eu conheço uns quantos e todos sabemos quem são. Não critico, apenas constato. Até porque a angariação de “contactos”, um sofisma para “amigos”, cansa, exige disposição e tempo. Lobbying, chamarão alguns a esta útil função– não estou a ser irónico – de marketing social e obtenção de apoios para causas que, na verdade, nem têm todas de ser desonestas. Sobre a regulação do lobismo, com o que estou de acordo, teria de escrever outro texto.
Numa excelente crónica, Bernardo Valente (Expresso, 27 abril 2024) lembra-nos “a impossibilidade de nascermos todos do mesmo sítio, em igualdade de circunstâncias e com recursos semelhantes”. A velha questão da equidade vsigualdade no acesso. E chegar “lá” é sempre mais difícil para quem é “rural”, reconheça-se o facto e o mérito. Porque, citando a mesma crónica, a vida não é “linear e previsível, sem o caráter arbitrário das relações humanas, que mudam trajetórias e armadilham o conceito de meritocracia, subvertendo-o e invertendo o eixo do mérito alicerçado no sacrifício-talento-progressão profissional”. Todavia, saber estar no sítio certo, no momento certo, com a gente certa, é mais do que apenas ter sorte. E é uma escolha com as consequentes perdas e ganhos. Não se pode ter tudo.