FERNANDO LEAL DA COSTA

ACORDEM

O denominado movimento woke, concebido para o aumento da consciência social para com as desigualdades, transformou-se num poderoso justificativo da nova cultura de cancelamento das liberdades cívicas. Os sinais são visíveis aos olhos de quem quiser ver. Já é muito mais do que o aproveitamento da “natural” estupidez humana, mas é esse aproveitamento com a intenção de criar uma nova estrutura de poder, um modelo de anarquia de valores, facilitador da mediocridade de onde irão emergir os novos arautos e executores de ditaduras vindouras.

A cultura woke de hoje, paradoxalmente, promove os racismos, discriminações e intolerâncias que pretendia combater. Vejamos. Uma escritora negra não aceita que um texto seu seja traduzido por uma branca porque a mensagem de sofrimento se perderia na translação das palavras. Que seria daqueles amantes da literatura russa, como eu, se Tolstoi, Gorki ou Tchekhov se tivessem oposto a ser traduzidos? E que dizer do caso, ocorrido há uns anos, de um branco nado e criado em África, a quem, numa universidade dos EUA, recusaram que se denominasse de africano por não ser negro? E há toda a parvoíce das confusões criadas entre preferências sexuais e identidade de género, muito por culpa dos que entenderem juntar as justas reivindicações dos homossexuais às dos transgénero – situações completamente distintas –, a que logo se juntaram perturbados mentais, pessoas afetadas com parafilias, psicóticos e outros tantos saudáveis que são simplesmente palermas. Sem deixar de reconhecer que há problemas de natureza social e médica, ainda por resolver, envolvendo os que sofrem por terem a disfuncionalidade de se sentirem com um sexo diferente daquele que fenotipicamente ostentam no corpo, convirá não generalizar a conceitos ainda por provar, como são os exemplos de intergénero ou não binários, e outras impossibilidades biológicas que agora resolveram inventar.

Outro exemplo. Defender as mulheres das atrocidades a que foram e ainda são sujeitas não passa por transformá-las em homens. Bem pelo contrário, é preciso reforçar o papel indispensável das mulheres nas sociedades humanas, biologicamente determinadas para serem binárias, tratá-las com o respeito que merecem e dar-lhes todas as possibilidades para que se possam afirmar sem deixarem de poder ser mulheres, mães, esposas, o que quiserem ser. E se forem homossexuais, uma questão de preferência afetiva e sexual, nada do que escrevi anteriormente lhes poderá ser vedado. Mas o mais grave de tudo isto é o ataque de forças mais conservadoras que nos impõem a alteração de obras literárias do passado, incluindo livros infantis de autores consagrados, a tentativa de proibição de que obras de arte clássicas ou renascentistas sejam mostradas a alunos de escolas primárias ou de liceu, apenas porque os nus não estão vestidos, ou a revisão da história, sonegando ou inventando factos, para que os “heróis” de ontem passem a “vilões” de hoje e sejamos todos reduzidos a esclavagistas e opressores, nós os europeus no sentido mais lato da expressão cultural que é a Europa greco-romana e judaico-cristã.

Devemos assistir a tudo isto sem dizer, fazer, alguma coisa? Para que uns tolos não se “ofendam”, devemos ser todos ofendidos? Há desigualdades terríveis no acesso a cuidados de saúde, educação, habitação, cultura e alimentação. Há fome! Há quem morra de doenças que já não deveriam matar! Não será tudo isto mais importante do que o meu “direito” a querer ser Vanessa em vez de Fernando? Casas de banho mistas? Tudo bem. É assim no Japão. Haja boa educação e nada contra. Mas não se pode confundir uma medida de conveniência, como se a possibilidade de urinar de pé ou sentado fosse o tema central do erotismo infanto-juvenil, com a estupidez de deliberadamente confundir crianças quanto ao seu sexo – só há dois – e o papel dos géneros – uma deturpação linguística – na sociedade. Acordem, woke up, respondamos com inteligência, ciência, bom senso e liberdade a toda uma cultura de censura e estupidez que nos querem impor.

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