HÁ MEDICAMENTOS IMPRESCINDÍVEIS. E VÍDEOS TAMBÉM – Há uns meses li uma crónica de jornal em que o autor usava o enredo de “Dopesick”, mais uma notável série que se pode streamar no Disney, e a apresentação dos factos de “The Crime of the Century”, na HBO, para atacar a indústria farmacêutica e daí passar para a desconfiança sobre a necessidade das vacinas para a prevenção da infeção por SARS-CoV-2. Digamos que foi um excesso. Para não o acusar de desonestidade intelectual. Os vídeos que mencionei referem-se à “epidemia” de opioides nos EUA, um gigantesco problema de saúde pública em que se cruzou a ganância de um laboratório, o Purdue, que foi logo seguido por outros, insuficiências jurídicas, má regulação, péssima prática médica, corrupção e indiferença política e até da sociedade.
É certo que estes documentos que se podem e devem ver na TV são um grito de alerta para a trafulhice, não há outro nome, na publicidade de medicamentos, para a manipulação de dados e compra generalizada de prescrições através de favores e mordomias dadas a médicos. Mas não servem para que se quebre a confiança sobre toda a indústria farmacêutica e se lance um anátema para cima de toda a regulação da FDA, da EMA ou do nosso INFARMED. O que nos mostram é a necessidade da generalização de ensino e prática de clinical governance dos cuidados primários aos hospitais. Também nos mostram como peritos, assim supostos, podem ser usados para manipular a informação que prestam a colegas e doentes. Os médicos americanos, professores distintos e distinguidos, que são referidos pelo nome e afiliação, continuam a exercer e muito dinheiro ganharam a vender ideias erradas sobre o potencial aditivo de opioides em doentes com dores. Não sei se vivem envergonhados.
Mostram-nos ainda como a vida dos delegados de informação médica pode ser infernizada por direções e administrações apenas preocupadas com o lucro fácil e sem escrúpulos. Mas nem todas as companhias serão assim. Há um retrato triste de uma FDA espartilhada entre o valor económico, político, de um produto americano e a resistência, ainda bem que assim foi, da entidade reguladora da RFA que se opôs à aceitação de indicações e de um resumo de características de medicamento que não correspondia à melhor evidência científica disponível.
Finalmente, vemos como um sistema jurídico garantista e liberal coartou a capacidade de eliminar o mal pela raiz. A chamada epidemia de opioides nos EUA é o resultado de má prática médica generalizada em presença de empresas corruptoras e impunes. Mas não é um libelo acusatório a toda uma indústria que está na génese da melhoria da duração e da qualidade da vida de muitos biliões de pessoas. O que “Dopesick” e “The Crime of the Century” nos apontam é para a necessidade de se ser estudioso, sério, conhecedor, ético, em tudo o que envolve o tratamento de pessoas que sofrem e são, ainda mais por via do sofrimento, vulneráveis a quem lhes minta e explore.
Fez-me bem ver estes documentos video-gráficos que deviam ser de visualização obrigatória para todos os que trabalham nas indústrias da saúde, na regulação, na produção de legislação, na aplicação das leis e na prestação de cuidados. A ignorância é o pior inimigo da saúde pública.