O AMBIENTE É MAIS DO QUE CLIMA – Tenho defendido que todo cuidado com o ambiente é, acima de tudo, uma intervenção para a proteção da saúde. Tenho também frisado a necessidade de legislar sobre a obrigatoriedade de avaliação de impactos sobre a saúde, mais do que apenas sobre impactos ambientais, porque a nossa preocupação humana sobre os que nos rodeia é o reflexo de que só podemos existir enquanto o ambiente nos for favorável. Infelizmente, também por força de alterações climáticas que são mais rápidas do que a nossa capacidade evolutiva como espécie, estamos já para lá da encruzilhada e entrámos na estrada da autodestruição. Não chega mudar de caminho, é preciso voltar atrás, abandonar algumas das soluções tecnológicas que agora são correntes e mudar paradigmas que envolvem comunicações, produção e uso de energia, acondicionamento de materiais, transportes e alimentação.
Mas recuar e tomar direções diferentes obriga a uma estimação de impactos que não se podem ficar pela ideia de que tudo o que não combuste é verde e que toda a produção de vegetais sem pesticidas e sem adubos sintéticos é o caminho para resolver a fome do mundo. Temos de ir mais longe. Não podemos, por exemplo, condenar a manipulação genética quando ela nos poderá salvar da fome. Tal como não podemos ignorar que poderá já haver humanos a mais para a Terra que temos.
Precisamos de garantir níveis básicos de acesso a água potável, saneamento de resíduos, cuidados elementares de saúde, planeamento familiar e educação básica para a maioria da humanidade. Não nos chega assinar protocolos para os países ricos e industrializados cumprirem, temos de remover os lixos dos rios da Ásia e da África, tão cheios que nem a água se vê, acabar com os bairros de lata, garantir sanitários para uma população que na sua enorme maioria, ao nível de milhões, defeca na rua, bebe água contaminada, nunca foi vista por um médico, não percebe o que é contraceção, não sabe o que é um caixote do lixo e nem imagina o que é reciclar. O combate por um ambiente sustentável não se trava só nas casas e nas ruas das urbes do 1.º mundo. O aumento do nível das águas do mar determinará menos espaço seco habitável, o que terá como consequência um aumento da densidade populacional com tudo o que de perigoso isso provocará, por exemplo, para a propagação de novas infeções e mais conflitos entre populações que competirão por recursos escassos. E tudo isto, com as guerras que se continuam a travar quase sempre por proxy de quem é inimigo, ainda se torna pior com os deslocamentos para campos de refugiados onde o clima é austero e as condições de vida são intoleráveis.
Sim, temos de combater o aquecimento global e inverter a curva de desgaste atmosférico que nos poderá extinguir antes da data marcada para o fim da Terra que conhecemos, daqui a 3 ou 4 mil milhões de anos, mas a mudança para um ambiente sustentável tem de ser mais profunda. Não será por causa do aquecimento que o Pacífico tem uma mancha de lixo com 80 mil toneladas de plástico. Se formos cuidadosos e conscientes, ainda teremos, enquanto espécie, de suportar mais uns ciclos de glaciação e aquecimento. Há alterações climáticas naturais para que nos teremos de preparar e o que formos agora capazes de fazer será útil para quem nos suceder, daqui a dezenas de milhares de anos. Com o registo e armazenamento da informação, o tempo contrai-se. Um dia, quem sabe, teremos de migrar para outro local nesta ou noutra galáxia. Mas antes disso, com realismo, com medidas de alcance prático a médio prazo, com determinação e sem demagogia nem alarmismo terrorista, temos de cuidar da saúde de forma integrada, tecnológica, política e socialmente, sem barreiras entre o que é e não é. Saúde em todas as políticas e partir daí para tudo o resto.