PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS
É tentador ignorar quem, por força natural da duração de mandatos e depois de longos anos ao serviço da comunidade, deixou de exercer funções. Facílimo fazer de conta que a pessoa não existiu quando, de forma quase natural, a generalidade dos agentes políticos e uma parte da população – acicatada pela comunicação social maioritariamente enviesada para o “pensamento” de esquerda – a tinha elegido como alvo dos seus rancores. Como se a comparação fosse histórica e situacionalmente lícita, fizeram-se parangonas sobre a perda de “popularidade comparada” do herói caído, o mesmo que, fruto de muito trabalho, foi o mais frequente vencedor de eleições nacionais em Portugal. Foi neste estado de julgamentos, já que as “coisas” não terão de ser como querem que elas pareçam, que muito se disse e escreveu sobre os últimos anos do Professor Cavaco Silva enquanto Presidente da República. Foi cómodo transformá-lo no carneiro sacrificial de tudo o que correu mal nos últimos tempos. Todos quiseram ignorar que o dignitário em causa tinha a sua ação limitada, temporal e espacialmente, por força de circunstâncias que lhe eram totalmente alheias e sobre as quais não podia atuar. Em política, contexto é quase tudo. Ter sido Presidente durante os terríveis anos da troika tinha de ter um preço. Cavaco Silva pagou-o em dobro porque, exatamente ao contrário do que nos querem fazer acreditar, soube decidir, decidiu sozinho e assumiu o que pensava. De Cavaco Silva, com quem não estive sempre de acordo – para isso, para emitir opiniões livres e construtivas, era seu consultor –, guardo gratas recordações e preciosas lições. “O seu papel vai ser decidir. Apresentar-lhe-ão soluções alternativas e você escolherá a que lhe parecer melhor. Estude, informe-se. Preocupe-se com decidir bem, de acordo com a sua consciência, e procure não se preocupar com o que julga que vão dizer.” Foi com este conselho que nos despedimos quando, saindo da Casa Civil da Presidência da República, passei para o Governo. Entre tantas outras coisas que aprendi, esta foi das mais úteis. Na modesta dimensão em que tentei servir o bem público, foi à lembrança deste conselho do avisado Professor que fui, não raras vezes, buscar o conforto de que necessitava. Neste “tempo novo”, em que pontificam a inércia na execução, a pantomima das negociações, os discursos cheios de promessas que se sabem serem impossíveis de cumprir, onde abundam a pose e a prosápia, quando assistimos à reinvenção permanente do presente como se não tivesse havido passado propiciador, é muito importante que não nos esqueçamos de quem soube resistir às conveniências e nunca se desviou do caminho em que acreditava. Pela minha parte, sempre centrado na saúde, nunca me esquecerei que a primeira visita oficial do Presidente Cavaco Silva foi a um hospital. Nem nos devemos esquecer do que o Professor disse e fez, muitas vezes acompanhado pela Dra. Maria Cavaco Silva, em prol da saúde pública, dos deficientes, dos doentes, das patologias mais raras às mais frequentes, da saúde mental à somática, das crianças aos mais idosos. Bem hajam. Seria fácil ignorar, disfarçar, renegar, esquecer. Seria politicamente correto, muito “moderno” e muito cobarde. Não sou assim. Querem fazer-nos acreditar que a falta de “popularidade”, perdida no termo do seu mais recente mandato, terá de impor o fim de uma carreira pública ou determinar a exaustão da capacidade de Cavaco Silva continuar a fazer política, no país e no estrangeiro, para o bem dos portugueses. Desejo que não seja assim. Não pode ser assim. Não vai ser assim. O Presidente Cavaco Silva ainda tem contributos importantes, nomeadamente na área da defesa da saúde, que não vai deixar de nos dar. Como sempre, vai surpreender-nos. Ainda bem.