FERNANDO LEAL DA COSTA

ENCLAVES, EXCLAVES E PARTILHAS – Os mapas sempre me fascinaram. Daí poderá vir o meu gosto por viagens. Viajo de mapa na mão e imagino os sítios aonde gostaria de ir quando contemplo mapas. Não são só rios e montanhas, ilhas e oceanos que me fascinam. A geografia política, os contornos de cada país, sempre foram motivo de admiração e interrogação. Vivendo num dos países do mundo com fronteiras estabelecidas e não disputadas há mais tempo, esquecendo Olivença, os motivos que determinam as fronteiras são uma das curiosidades maiores que resultam da leitura de mapas. E as fronteiras complexas, as que envolvem ilhas territoriais, os enclaves, ou pedaços de país que sobrevivem para lá das fronteiras do território maior, os exclaves, são as mais interessantes. Do fim da antiga União Soviética, herdeira do Império Russo, surgiram alguns dos desenhos fronteiriços mais estranhos e problemáticos. No Cáucaso, o arrastado conflito do Nagorno-Karabakh, a que os arménios locais chamam de república Artsaque, e o exclave azeri de Nakhchivan fizeram notícia nos tempos mais recentes. Mais um conflito étnico-religioso que o fim da URSS, potência que foi colonial, deixou desenrolar-se na altura. A norte, ainda sob a alçada russa existe a Adiguésia, enclavada na região de Krasnodar. E os russos reclamam para si a Ossétia do Sul que se encaixa na Geórgia, a qual, na verdade, já cedeu a Abcázia aos mesmos russos. A oeste, para lá da Ucrânia, a bizarra Transnístria que mais não é do que um exclave de dominação russa entre a Ucrânia e a Moldávia. O fim da Prússia ditou o enclave de Kaliningrado, já que a Prússia Oriental também estava enfiada na Polónia quando a Segunda Guerra Mundial começou. O mapa do Uzbequistão e Quirguistão é um outro desenho cheio de enclaves. Igualmente, os Emirados Árabes, porventura por acordos tribais, têm enclaves junto à fronteira com o Omã. E na Europa temos Lvia, pedacito de Espanha em França, e o caso mais interessante de S. Marino, plantado no meio de Itália, não esquecendo o Vaticano, que é um caso especialíssimo. As cidades belgas e holandesas de Baarle-Hertog e Baarle-Nassau são uma confusão intricada de fronteiras urbanas. Para todos os efeitos, Gibraltar é um enclave britânico na península Ibérica. Na África há o Lesoto, imerso na África do Sul, e os enclaves costais de Ceuta, Melila e Cabinda. No Canadá, não sendo um enclave geográfico, não deixa de ser fascinante ver como as ilhas de Saint-Pierre et Miquelon se mantiveram francesas junto à Terra Nova. O desenho de fronteiras entre a Suécia e a Dinamarca é um imbróglio de ilhas nos estreitos do Báltico. A situação da Palestina e Israel é um tormento fronteiriço. Timor Lorosae tem um enclave na Sonda Indonésia. A lista seria longa. Mas se há enclaves onde as coisas correm pacificamente, há outros onde o conflito é permanente. Simplesmente, por razões que são muitas vezes artificiais, há etnias e religiões que não se conseguem misturar, nem o tentam fazer. São guetos nacionais com dignidade territorial que se confunde com a identidade de quem os habita. Na fronteira entre a União Indiana e o Bangladesh, a situação inicial envolvia quase duas centenas de enclaves entre hindus e muçulmanos. Os Estados entenderam-se, o que nunca foi feito com o Paquistão a propósito de Caxemira, e já só resta um enclave.  

Logo, o entendimento pode ser possível. Raramente, sem dúvida. Olhar para os enclaves é ver aquilo que a nossa sociedade, crescentemente tribalizada, é. Guerras por pedaços de espaço, sem que isso se traduza em mais do que ter um lugar. Só que ter terra, possuir um território, é um direito identitário que ninguém pode ignorar. Convirá respeitá-lo. Está nos genes. 

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