FERNANDO LEAL DA COSTA

VERBOS NOVOS – Confinado sem ser covidado. Ouvindo, lendo e trabalhando. Confinei-me pouco. Imaginando o mundo de quem teve de ficar fechado. Em casa, fora de casa, em qualquer lugar. Vocabulário novo, o que nos covida a ser diferentes ou, quem sabe, iguais ao que sempre fomos. Leio Roth, nem sei porquê. Cheguei a ele mais tarde do que a outros. Tinha-me ficado pelos Complexos. Depois veio um livro do extraordinário Manea. O dos Hooligans. As memórias do hooligan regressado a uma terra de ditadura passada. Fala em Roth, o amigo que encorajou Manea a voltar. Para, como tantas vezes acontece, voltar a um lugar que já não era o seu. Provavelmente nunca tinha sido. Em Manea, como em Roth, não há lugares que lhes pertençam, nem pertença a lugar algum. Reli a Pastoral Americana. Li, assim é que é, porque não se relê o que é descoberta constante. A festa da reunião de liceu. Tudo tão mudado. Mas eles sempre foram o que haviam de ser. Inescapavelmente epidémicos. É curioso como não guardo memórias de uma infância de que tenha saudade. Adolescência? Detestei-a, mas só me apercebi disso depois de ter deixado de ser adulto. Vivemos tempos que apenas espantam os que não conhecem a vulnerabilidade da espécie humana. Agora covida-se, mas já se leprou, gripou, tuberculou, ébolou e infetou com tanta coisa que nem dá para inventar verbos que cheguem. Era longe, muito longe. Nem quando se dengou, com poncha e bailinho, deu para acreditar. Era ainda longe, lá no oceano. As catástrofes só podiam ser cheias, terramotos ou a soma dos dois, a que se chamou tsunami. Acreditou-se, santa ingenuidade, que coisas da China ficariam na China. Não, não se pode dizer que o coiso seja chinês. Se for Marburg, da Floresta do Kyasanur ou de Barmah, uma febre das Montanhas Rochosas ou uma encefalite japonesa, já não faz mal. Chinês é que é ofensivo. 

Catastrofa-se ao microscópio, com a velocidade com que se anda de avião. Na Pastoral de Roth foi uma bomba de adolescente inconformada. Na vida dos homens de 2020 é a maldita da epidemia que ainda de matar mais com fome do que com o vírus. Roth sempre ele, numa altura em que toda a gente se lembrou de Camus, da sua peste argelina, também escreveu de vírus, de pulmões de aço e de vacinas que não tinham sido inventadas. Nemesis da polio. A culpa do infetante. O livro tem 10 anos. Se puderem leiam, releiam. Não faltará muito para que da Covid se escrevam romances. O covid está feito.