A CIÊNCIA TRIUNFARÁ – É inevitável escrever sobre os coronavírus nesta altura. Quando este artigo for publicado poderemos estar, em Portugal, com mais ou menos casos do que temos hoje. Poderemos já ter de lamentar alguma morte ou, talvez, ainda não. Esta epidemia que era inevitável está a revelar-se mais mortal e resiliente do que à partida se esperaria. Digo que era inevitável porque a biologia segue princípios de seleção natural, de permanente mutação dos genomas, que levariam inexoravelmente a que um dia surgisse uma nova transformação de que resultasse um vírus mais transmissível e mais mortal. Mais mortal porque o vírus se replica depressa em órgãos vitais, como os pulmões, mas também porque, não havendo memória imunológica, a “surpresa” para os humanos foi total. Mas a nossa espécie sobreviverá. Os que forem capazes de montar uma resposta imunológica eficaz sobreviverão e, daqui a uns anos, o SARS-Cov-2 será um dos muitos vírus que comumente nos estragam a saúde. Muitas comparações se têm feito com outras pragas, em particular com a epidemia de gripe de 1918-1919, a tal que teve resultados apocalíticos e terá matado mais pessoas do que a Guerra Mundial que tinha terminado em novembro do ano em que os primeiros casos foram conhecidos. Em boa verdade, seguindo o perfil epidemiológico atual, ainda com muitas incertezas, em termos virológicos o SARS-Cov-2 será mais perigoso do que o vírus de 1918. Mas há muitas diferenças.
Em 2020, cem anos depois, há todo um armamento de terapêutica de suporte e de tratamento sobre infeções que ainda estava por descobrir e inventar em 1918. Há comunicações e disseminação de conhecimento a uma velocidade que não tem paralelo com a do início do século XX. Há capacidade de identificar os vírus, caracterizá-los e sequenciar o seu genoma com que os nossos avós não podiam sonhar. Há produção industrial de vacinas que não tem comparação com o que se fazia no final do século XX. Há antivirais em estudo e outros que ainda poderão ser criados com tecnologias que só agora começam a ser utilizadas. Esta malvada epidemia tem sido uma lição de como estamos ainda tão vulneráveis e impreparados e, ao mesmo tempo, como a comunidade científica consegue reagir de forma coordenada e geral. Espero que estas lições de hoje sirvam para que os inimigos da globalização percebam o seu erro. Para que os desconfiados das vacinas entendam a utilidade da prevenção por imunização. Que os racistas vejam como somos só uma espécie. Que os misantropos alcancem a importância de haver humanos.
Mas também há uma outra lição, que todos conhecemos e agora recapitulamos. A necessidade move e promove o engenho. A economia e a expectativa de lucro ainda é um, talvez o, grande motor. Grande parte do que agora se revisita, da criação de vacinas ao tratamento, já poderia estar bem mais avançado ou até concluído. Foi quase tudo abandonado quando se percebeu que a SARS, uma antecedente da Covid-19, estava a desaparecer. Não iria haver negócio. A mesma falta de negócio que faz com que não se investiguem mais antibióticos que nos irão fazer muita falta. Quem sabe se a lição mais importante não está em que os governos, neste caso os da Europa, devam doravante apostar ainda mais na ciência e na descoberta de possíveis soluções a ameaças que já sabemos serem inevitáveis. Outros vírus, bactérias de que ainda ninguém fala, fungos e priões. A ciência triunfará, mas precisa que não lhe faltem os meios para funcionar.