FERNANDO LEAL DA COSTA

RACISMO

Os humanos, como a generalidade dos mamíferos e a totalidade dos primatas, são animais territoriais. Reagem ao que é estranho e diferente. Assustam-se com o que não conhecem e defendem os seus recursos, incluindo o território e a sua capacidade reprodutiva. Entre primatas da mesma espécie é frequente o roubo de fêmeas de grupos rivais para promover a diversidade genética e a perpetuação do património do(s) macho(s) dominante(s) do grupo. O cruzamento com indivíduos que tenham genomas diferentes impede a perpetuação de genes recessivos que possam estar associados a defeitos. Logo, o mito da “raça pura” é biologicamente absurdo. O racismo, enquanto forma de discriminação e recusa da diferença tem, portanto, uma base natural que é mais económica e social do que estritamente genética ou biológica. Veja-se como se importam mulheres para comércio sexual, sem rebuço moral, e se exalta a expulsão de imigrantes económicos. Quem “tem” um território não aceita com facilidade que esse espaço possa ser invadido e os seus recursos tomados. É primário, é animal e é assim mesmo. O racismo não é só coisa de pretos contra brancos ou vice-versa, consoante a maioria. Vejam-se os massacres entre Hútus e Tútsis, todos negríssimos. Olhem para o sistema de castas na Índia onde a tonalidade é determinante. Idi Amin, bem negro que era, expulsou os indianos do Uganda. Atentem nos massacres de índios americanos e aborígenes, os que estavam primeiro, por aqueles que chegaram depois. Vejam o que se passa com os Rohingya no Myanmar. Na Europa tivemos pogroms a judeus e ciganos, genocídios e, mesmo assim, ainda há antissemitismo. Romas e a restante maioria de europeus excluem-se mutuamente. E, até entre semitas, há ódios tribais e racismo violento, seja com árabes ou judeus e entre eles. Na China, há séculos que os Han não se entendem com Uighurs. A Ásia Central é um caldeirão de gentes que sempre se guerrearam. O racismo sustenta-se habitualmente numa ideia de superioridade do ocupante, por sinal falsa, que mais não é do que uma justificação para a invasão do espaço que já teria um “dono”. Quando o fenótipo do grupo adversário é bem distinto, seja pela cor, estatura, forma da face, torna-se fácil identificar o inimigo. O racismo é a xenofobia colorida. Ainda é pior quando ao racismo se associa intolerância cultural, de que a mais evidente é a religiosa. A xenofobia não se combate com a imposição da aceitação de quem não se quer integrar, nem com a construção de fronteiras e muros. Os movimentos migratórios são a história da humanidade. Acabam sempre por vencer e, no fim dos tempos, estaremos todos misturados. Ora, se é certo que a integração não se pode fazer por decreto ou imposição, também é verdade que não podemos importar imigrantes para os mandar viver em enxovias ou tratá-los abaixo dos padrões que queremos para nós. Por outro lado, se há gente que migra, migrará sempre, a única forma de fixar populações na sua geografia original é garantir-lhes razões para lá permanecerem, em vez de gerar guerras nas casas deles ou roubar-lhes os recursos. No fundo, somos todos apenas humanos, partilhando 96% do nosso ADN com os chimpanzés. Todos temos direito ao desenvolvimento, à evolução cultural e à não discriminação. Contudo, combater o racismo não pode ser a desculpabilização de abusos, a sacralização da má educação ou a aceitação dos costumes de que os migrantes, esses mesmos, estão a fugir.