FERNANDO LEAL DA COSTA

FALTA DE INTELIGÊNCIA

Nas decisões que determinam a justeza da aplicação de uma intervenção terapêutica sobre uma doença há um conjunto grande de fatores que têm de ser considerados. Interessa, como ponto de partida, conhecer o potencial de benefício que se pode esperar com essa medida terapêutica na população em geral, quando muitas vezes apenas os resultados de ensaios clínicos realizados com populações selecionadas são conhecidos, e na pessoa em concreto. Na avaliação da pessoa é importante, para lá de conhecer rigorosamente o diagnóstico, enquadrar a idade, toda a patologia de que essa pessoa padeça, os medicamentos que toma, os tratamentos a que já foi sujeito, as suas reações a esses tratamentos, os seus hábitos de vida, a sua situação social, marital e financeira e ainda, obviamente, o que se passou e passa com familiares, sendo que esta é uma forma grosseira, mas eficaz, de avaliar risco genético e ambiental. Em linguagem técnica, trata-se de colher a anamnese com antecedentes pessoais e familiares. É assim em todo o mundo. Antes de prescrever um tratamento, seja ele um medicamento ou uma intervenção cirúrgica, uma ida ao ginásio ou às termas, é desta forma que os médicos decidem se a prescrição é adequada, a mais indicada, para o doente em causa, considerado como uma pessoa e não apenas como um portador de uma doença. Neste sentido, poderá ser correto excluir de determinados procedimentos pessoas com hábitos tabágicos persistentes, consumidores de drogas ou obesos. Simplesmente, o risco de insucesso ou de efeitos adversos pode ser superior ao benefício esperado. Se assim for, caberá aos médicos formular a abordagem terapêutica mais correta, à luz da melhor evidência disponível, ou seja, oferecer a alternativa terapêutica indicada, além de, como se espera de um médico, recomendar as ações corretivas necessárias para que os fatores impeditivos sejam removidos. Ajudar a deixar de fumar ou promover a perda do peso excessivo, por exemplo. Se isso não for possível e o risco permanecer elevado, seja de insucesso ou de efeito adverso, recomendará uma alternativa terapêutica. Ora, isto, explicado desta forma, não tem nada a ver com a decisão, recentemente divulgada na comunicação social, de algumas regiões de saúde inglesas que liminarmente decidiram excluir fumadores e obesos de determinados procedimentos cirúrgicos. A Medicina nunca poderá ser confundida com decisões burocráticas, administrativas, que ultrapassem o juízo clínico, o tal juízo pelo qual os médicos são imputáveis porque só a eles cabe avaliar e decidir se determinado procedimento é o indicado para cada pessoa considerada na sua singularidade. Este exemplo, real e concreto, de racionamento imposto por causa de custos crescentes a que um sistema universal, geral e gratuito não consegue responder – diga-se, com justiça, que foi imediatamente repudiado pelo Colégio de Cirurgiões –, levanta muitas questões de que menciono já duas. Não é possível prometer e manter um SNS que tenha exclusões como “penalização” do risco pessoal. Para essa penalização há outras vias, até fiscais e educacionais, que podem compensar riscos financeiros resultantes de tratar aqueles que, de alguma forma, não se cuidam tão bem. Mas nunca a exclusão do acesso a cuidados. Em segundo lugar, este caso vem realçar a importância de haver uma sólida prática médica baseada nas ciências, não apenas as biológicas, como contraponto às exigências de um sistema político que, não sendo capaz de modernizar o seu SNS, aplica exclusões como se de uma companhia de seguros se tratasse. Pensem nisto. A falta de inteligência é universal.