FERNANDO LEAL DA COSTA

pag 12_JCF_0098POLÍTICA ONCOLÓGICA

Infelizmente, fruto da nossa longevidade e da progressiva exposição a cancerígenos, o número de novos doentes com cancro vai aumentando. Felizmente graças aos avanços terapêuticos, o número de doentes afetados pelo cancro, curados e doentes, também tem aumentado. Nos finais de março deste ano, a revista Science publicou um artigo, que foi muito noticiado, “Stem cell divisions, somatic mutations, cancer etiology, and cancer prevention”. A conclusão mais realçada foi a de que a maioria das neoplasias malignas são, em 66% dos casos (variando entre 9% e 99,5%), produto de mutações genéticas resultantes do acaso. Ou seja, a maioria dos casos não são preveníveis. Logo veio quem dissesse que o melhor é ir gozando a vida, fumando, bebendo e apanhando sol. Nada de mais falso. Os cancros com valores em que o acaso tem um potencial etiológico abaixo do 40% são os do estômago, esófago, pulmão, laringe, colo do útero, melanoma, enfim, aqueles onde há relações causais razoavelmente bem demonstradas com hábitos de vida. Os autores concluíram e parece que ninguém leu… “All of these results are consistent with epidemiological estimates of the fraction of cancers that can be prevented by changes in the environment. Moreover, they accentuate the importance of early detection and intervention to reduce deaths from the many cancers arising from unavoidable R (random) mutations”.  Prevenir! Ainda há muito para fazer em prevenção primária. O consumo de tabaco, a obesidade, o álcool, a exposição solar excessiva, o sexo desprotegido e o fraco consumo de vegetais estão relacionados com cancros, além dos milhares de biliões de cancerígenos a que somos expostos sem capacidade de prevenção. É nestas áreas que podemos e devemos intervir energicamente, com a condução e financiamento do Estado. É por isto que, por exemplo, proteger o consumo de cigarros é atentar contra a saúde pública. É certo que a prevenção secundária ainda é a principal arma, permitindo o tratamento precoce de todos os cancros, mas ainda há o problema de falta de testes preditivos com sensibilidade e especificidades aceitáveis, ou seja, com uma relação de custo/benefício comportável. São poucos os cancros rastreáveis e, até nesses, não tem sido possível demonstrar sempre ganhos de sobrevivência com a deteção e tratamento mais precoce. Claro está, porque os tratamentos não são sempre os melhores. Acresce que em Portugal o tempo entre a deteção precoce e o início de tratamento ainda é, quase sempre, demasiado longo. Há uns anos, investigadores portugueses avaliaram, ainda que de forma simplista, o custo do cancro em Portugal. Concluíram, com números de 2006, que, apesar de se gastarem 565 milhões de euros anuais com custos diretos, esse valor seria insuficiente. Hoje será mais e, porventura, ainda pouco. Tendencialmente, gastaremos cada vez mais a tratar cancros se atentarmos nos custos galopantes dos tratamentos mais recentes, quase sempre desproporcionadamente caros para os ganhos efetivos na sobrevivência e qualidade de vida. Mas a verdade, como eu disse no início deste texto, é que os doentes vivem globalmente melhor e mais tempo, fruto de um conjunto de medidas que não se esgotam na farmacoterapia. Os grandes desafios da oncologia são: 1) a necessidade de chamar toda a sociedade, incluindo os decisores políticos, à luta contra o cancro; 2) a generalização do acesso universal ao diagnóstico mais precoce e célere; 3) o tratamento atempado e correto de todos os doentes, em todas as fases da doença e mesmo depois de esta ser declarada incurável; 4) a redução da mortalidade por cancro. Em Portugal há um Programa Prioritário de Saúde Pública, denominado de Programa Nacional para a Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas. Justamente, prevenção e controlo. Trabalhemos para isso. No combate ao cancro somos todos necessários. Precisamos de política oncológica, talvez de oncologia política. Não nos deixemos enredar na oncologia da política.