FERNANDO LEAL DA COSTA

JCF_0095SOLUÇÕES ÚTEIS

A recente atribuição do Prémio de Boas Práticas, da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, ao projeto de Hospitalização Domiciliária do Hospital de Almada não teve o destaque que mereceria. Foi noticiado, mas a maioria das pessoas não ficou esclarecida quanto ao alcance do desenvolvimento de iniciativas de hospitalização no domicílio, nem quanto ao significado do prémio atribuído a um hospital que, desde há anos, com maior acuidade no inverno, se debate com escassez de camas para internamento de doentes agudos. A hospitalização domiciliária é uma prática já corrente em muitos países como a Espanha, o Reino Unido, o Canadá e os Estados Unidos. É um conceito avançado de cuidados sofisticados, sem necessidade de recurso a meios complexos de seguimento, aplicável a doentes que precisem de tratamento por via parentérica, mas que não exijam medidas de acompanhamento permanente de pessoal de enfermagem ou médico. No fundo, é uma ponte entre o hospital e os cuidados primários e/ou continuados. Com os desenvolvimentos da telemática já se pode mesmo chegar ao acompanhamento e monitorização de ritmo e traçado cardíaco e de sinais vitais. É, obviamente, uma solução aplicável a um conjunto de situações clínicas de gravidade e risco adequados a seguimento no domicílio, em que cabe a maioria das infeções respiratórias não complicadas, embora já seja usada – há muitos anos – em casos tão complexos como a transplantação de medula óssea. Por este exemplo se pode apreciar a segurança que se pode alcançar com o acompanhamento e tratamento domiciliário de um grande conjunto de doentes a quem, entre outras vantagens, se proporciona o conforto do lar e se garante uma diminuição significativa do risco de infeção nosocomial. Existe, desde há alguns anos, um outro projeto em construção, nos hospitais de Lamego e Chaves, que tarda em acontecer, e há lugar ao aparecimento de mais iniciativas deste tipo, estranhando-se que nunca tenham sido prioridade nas Unidades Locais de Saúde, aquelas estruturas organizacionais que congregam cuidados primários e cuidados hospitalares sob a mesma administração. Esta é uma das soluções úteis que urge acolher e desenvolver no SNS em Portugal. Há obstáculos a ultrapassar, ao nível da mentalidade dos doentes e familiares, da disponibilidade de cuidadores informais, de profissionais de saúde, de transporte, de disponibilidade permanente de camas livres para internar complicações, da interface com os cuidados primários, de telecomunicações. Além do mais, a hospitalização domiciliária não pode ser um sistema de desvio de custos do prestador para o beneficiário, como muitas vezes se lê nas acusações que se fazem a estas práticas, nem nunca pode ser encarada como uma forma de desresponsabilização do hospital. Nada que não possa ser resolvido e não tenha de, forçosamente, vir a ser resolvido. Também aqui, como ainda não acontece com os cuidados domiciliários da rede de cuidados continuados e, com maior pertinência, nos cuidados paliativos, há falta de soluções e meios e isso deve passar, complementarmente, pela abertura da contratação pública de serviços de assistência domiciliária a prestadores sociais e privados certificados. Qualquer solução, para ser útil, tem de ser aplicada, e o ónus da implementação de sistemas de tratamento e apoio domiciliário, seja no âmbito da hospitalização em casa ou dos cuidados primários e continuados, não pode continuar exclusivamente no Estado. Talvez, um dia, ultrapassado algum fervor amaurótico e ideológico da esquerda que ocupou o Governo, possamos assistir ao desenvolvimento pleno de intervenções de saúde nas casas das pessoas, em consonância com a Segurança Social e de forma cooperante e coordenada, por prestadores públicos, sociais e privados. Por enquanto, dominados por um SNS que quer ser o único prestador, mais do que o pagador. Vamos continuando à espera.