FERNANDO LEAL DA COSTA

JCF_0095SAÚDE NA ONU

O processo de eleição do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) não passou despercebido na literatura médica. A prestigiada revista The Lancet dedicou-lhe um espaço de análise (The Lancet 2016;388:e7-e9) que interessa revisitar. O dado mais relevante é a noção de que os assuntos de saúde foram negligenciados na campanha.    A todos terá faltado uma perspetiva sanitária e globalizante. Ninguém mostrou ter, pelo menos no discurso, uma visão de saúde em todas as políticas. Como nos diz o artigo citado, apenas três dos 12 candidatos – não considerando a senhora búlgara que chegou quase na véspera do último escrutínio – mencionaram a palavra “saúde” no seu manifesto inicial e, em boa verdade, os assuntos da saúde não foram considerados como tema de debate e interrogatório nas audições. Esta questão é ainda mais preocupante quando já está em curso o processo de substituição da diretora-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS). Perfilam-se seis candidatos, nem todos com o mesmo grau de conhecimento e aptidão profissional para lidar com as responsabilidades da OMS, mas todos com passado politicamente relevante nos seus países. Ao longo dos anos, por mais que seja cada vez mais claro que a saúde é central para as sociedades humanas e essencial para a sobrevivência da humanidade, mesmo quando o valor económico da saúde é já inquestionável, continuamos a ter um grande desapego, dos órgãos nacionais e internacionais que não estejam diretamente relacionados com o tema, aos temas de saúde. Contudo, que ele não tenha sido considerado como fundamental na escolha do secretário-geral da ONU causa-me estranheza. Mesmo para com António Guterres, o justíssimo vencedor, personalidade com grande experiência em problemas que envolvem a saúde de populações vulneráveis, não se sentiu nenhuma vontade de lhe exigirem respostas sobre o que pensa que devam ser as intervenções da ONU no campo sanitário. Estou certo de que ele saberia responder, mas não foi questionado como deveria ter sido. A OMS falhou, por ter sido tardia e limitada, na intervenção sobre a crise do Ébola. Terá tido responsabilidades na epidemia de cólera que ocorreu no Haiti, após o terramoto. Não tem sido um arauto na defesa dos sistemas de saúde contra os ataques especulativos das indústrias da saúde. Não tem exercido músculo político em assuntos como os da alimentação e combate às resistências contra microbianos. Tem-se, malgrado a vontade dos seus dirigentes, deixado minimizar em situações de crises político-militares que, em primeira análise, são crises para a saúde das pessoas. Agora que temos um secretário-geral português, motivo de congratulação para todos – talvez não para aqueles que se comprazem com as derrotas de José Mourinho e as lesões de Cristiano Ronaldo –, devemos confiar que o equívoco da omissão da Saúde será rapidamente resolvido com a colocação das prioridades sanitárias no topo da agenda da ONU. Não nos esqueçamos do excelente trabalho do presidente Jorge Sampaio, na ONU, pela luta contra a tuberculose. Não tenho dúvida de que António Guterres saberá encontrar as bandeiras e as pessoas certas para as transportar.