DE TERRORISTA E LOUCO TODOS TEREMOS UM POUCO?
Certamente, não. Contudo, nos tempos mais recentes, assolados por uma onda de atentados a bens e à integridade física das pessoas, ao cerne da sua liberdade, tem-se assistido a uma tendência de culpabilização, quase dicotómica, de terroristas ou doentes mentais. Esta maneira de categorizar os perpetradores de ações violentas como “loucos” tem sido uma fórmula usada para tranquilizar a opinião pública e desculpabilizar os serviços de segurança, o que é errado e potencialmente conducente a graves equívocos. Um piloto de uma companhia aérea decidiu suicidar-se fazendo despenhar o avião que tripulava, carregado de passageiros, contra uma montanha dos Alpes. A opinião pública, as forças de segurança e os políticos “descansaram” quando conseguiram comprovar que não se tinha tratado de um ato com intenção terrorista, mas sim de uma atitude celerada de um homem perturbado, aparentemente com uma depressão grave. Uns meses mais tarde, curiosamente também na Alemanha de onde era originário o avião despenhado, um jovem decide disparar contra as pessoas que estavam num restaurante, matando várias delas, para depois terminar com a sua própria vida. Terrorista? Não, tratava-se de mais um doente mental que até já tinha estado em tratamento, tal como o piloto assassino. E há os casos de ataques em comboios, atropelamentos em cadeia, esfaqueamentos nas ruas e bombas em praças e casamentos. Tudo isto é horrível e, para os menos crentes, sem perdão. O problema é que a condução da responsabilidade para o “perturbado”, o “louco”, o “maluco”, não nos deve tranquilizar nem, muito menos, satisfazer. A verdade é que transferimos um caso de eventual falência da segurança pública ou da defesa nacional para uma falha dos serviços de saúde e, em primeira análise, de toda a nossa sociedade. E todo este discurso de atribuição de diagnóstico, sem dúvida correto em muitos casos, continuará a contribuir para a estigmatização de uma parte muito significativa da humanidade, que não poderá ser culpabilizada por ser doente do cérebro, tal como ninguém a deveria culpar por ser insuficiente cardíaca ou ter nascido com um cromossoma alterado. A evidência epidemiológica mostra que os imigrantes, em particular aqueles com menor apoio familiar e social, estão mais vulneráveis a sofrer de perturbações da esfera mental. Por outro lado, esta população, habitualmente com menores recursos financeiros, tende a procurar menos e ser menos procurada pelos serviços de saúde. Não deveria ter havido mais pro-ação sanitária junto de muitos dos que, depois de ferirem e matarem, reduzimos a doentes mentais como se isso fosse menos importante que ser terrorista? Nestes tempos difíceis, sabendo que a normalidade é um conceito estatístico e culturalmente determinado pelas convenções sociais, não nos podemos congratular com a constatação de que o terrorista afinal era doente, tal como a doença, independentemente da eventual inimputabilidade pessoal, não desculpa a ausência de respostas da sociedade e do seu sistema de saúde. Não há saúde sem saúde mental, nem sem segurança, tal como não há segurança sem saúde. A prevenção da tragédia depende, também, de nós todos, cada um na sua justa medida, e do sistema de saúde que quisermos manter. Afinal, até nos atentados terroristas encontramos a prova de que tem de haver saúde em todas as políticas.