TODOS É MESMO TODOS! – “Um sistema educativo para ter sucesso tem de garantir aprendizagens de qualidade para todos os alunos…”, assim começa Para uma Educação Inclusiva – Manual de Apoio à Prática, do Ministério da Educação, que traça as linhas orientadoras do novo decreto-lei para a equidade dos alunos nas escolas.
Se, até aqui, se tem tentado construir uma escola inclusiva, derrubando-se barreiras e construindo-se mentalidades abertas, este novo decreto-lei (DL 54/18) “obriga” à inclusão. E inclusão é aquela palavra que todos usamos, mas que, muitas vezes, não aplicamos. Somos todos inclusivos para o que nos convém. Na verdade, ao ter aceitado este desafio de falar sobre inclusão não foi minha pretensão apontar o dedo a ninguém, mas constato todos os dias que ninguém é 100% inclusivo. Inclusão escolar é acolher todas as pessoas, sem exceção, no sistema de ensino, independentemente de cor, classe social e condições físicas e psicológicas. O termo era sobretudo associado à inclusão educacional de pessoas com deficiência física e mental. Portugal promulgou legislação que torna a discriminação por deficiência na educação ilegal. No entanto, Portugal foi muito mais longe na criação de um quadro legal explícito para a inclusão na educação de alunos com e sem deficiência. Desde 2008, o país tem implementado leis prevendo o acesso à educação a todos os estudantes, sem exceção, na sua escola regular local, de acordo com o artigo 24.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Essas leis exigiram a criação de uma rede de centros de recursos que apoiavam escolas de ensino regular e iniciou-se um “processo de reorientação” para as escolas segregadas por este Portugal fora que se transformaram em CRI (Centros de Recursos para a Inclusão). Esses CRI passaram a ser um “apoio” às escolas regulares, tendo feito parcerias com Agrupamentos de Escolas, visando um papel facilitador de acesso à educação.
Mudanças estruturais
Durante 10 anos mudámos escolas, alterámos currículos, pedimos ajudas técnicas, colocámos professores, terapeutas, psicólogos e assistentes operacionais (todos especializados) para que a Inclusão fosse uma realidade. Superámo-nos? Ainda não. Mudámos mentalidades e atitudes. Mas a nova lei exige que a provisão de apoio para todos os alunos seja determinada e administrada em salas de aula regulares, com equipas multidisciplinares locais responsáveis por determinar que apoio é necessário para garantir que TODOS os alunos (independente de rótulos, categorização ou determinação da deficiência) tenham o acesso e os meios para participar efetivamente na educação, com vista à plena inclusão na sociedade.
O preâmbulo da nova lei
“No centro da atividade da escola estão o currículo e as aprendizagens dos alunos. Neste pressuposto, o presente decreto-lei tem como eixo central de orientação a necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos, encontrando formas de lidar com essa diferença, adequando os processos de ensino às características e condições individuais de cada aluno, mobilizando os meios de que dispõe para que todos aprendam e participem na vida da comunidade educativa.”
Segundo este novo decreto-lei a escola deve valorizar a diversidade. Valorizando a diversidade, deverá criar uma estrutura (documentada) para uma cultura inclusiva. Seja qual for a dificuldade, a escola deverá arranjar medidas e estratégias para as minimizar. O aluno deve ter sucesso. O agente educativo deverá promover o sucesso. E como? Equipas multidisciplinares devem ocupar-se da consciencialização sobre a necessidade deste início de transformação cultural em toda a escola, além de identificar, avaliar e ajustar medidas e várias estratégias específicas de apoio à aprendizagem e ultrapassar as barreiras de cada um.Passo a exemplificar: há um ano atrás um aluno tinha ensino diferenciado, com várias medidas educativas, caso se identificasse uma problemática (dislexia, défice de atenção, autismo…) e quase todo o enfoque estava no professor/técnico especializado para ajudar a minimizar as suas dificuldades. Agora o aluno pode não ter nenhuma problemática e continuar sem sucesso. Assim, todos os agentes implicados no processo educativo deste aluno são envolvidos para promover o sucesso.
Programação educacional diferenciada
Na programação educacional diferenciada, centrada no aluno, as medidas educativas são decididas uma a uma (sempre de acordo com as necessidades específicas, potenciais, interesses, preferências do aluno a analisar), graduadas em três níveis: universais, seletivas e adicionais. As primeiras são aplicadas a todos, mesmo todos, os alunos. Já as medidas seletivas são as que se aplicam para “ajudar” e potenciar as universais e já pedem ajuda aos recursos da escola. Finalmente e muito importantes são as medidas adicionais, que requerem recursos especializados (professores, técnicos) que “coensinam” com o professor em sala de aula. Acabam-se os rótulos: os alunos deixaram de ser NEE (necessidades educativas especiais) e passaram a ser um TODO. Na verdade, todos temos necessidades educativas em vários momentos do nosso percurso escolar. Lembro-me que não tinha o mínimo sucesso numa disciplina (Fisico-Química) mas não me recordo se o professor alguma vez diferenciou o tipo de aprendizagem por causa das minhas necessidades. Agora o professor deve-as identificar para que o aluno ou os alunos deixem de as ter. Na verdade, aprendemos todos de forma diferente. Se, até agora, eram os alunos que em casa tentavam decorar com os meios ao seu dispor, o enfoque passa a estar na forma como se ensina, consoante as dificuldades. Não menos importante neste novo decreto-lei é a ênfase forte colocada no envolvimento dos pais e/ou encarregados de educação como parceiros em todo o processo, devendo participar e ter a informação – incluindo participação nas reuniões multidisciplinares, preparação e avaliação de programas educacionais individuais e acesso aos arquivos e registos escolares de seus filhos. O que se nota? Uma escola em que todos se envolvem. O João e a Maria pertencem a todos, o seu insucesso move o professor titular, o professor especializado, o técnico, o assistente operacional.
Todos para todos.