“TANTO NA ADEGA COMO NA VINHA seguimos a tradição e a inovação” – João Nicolau de Almeida esteve durante 40 anos ao serviço da Casa Ramos Pinto. Com visão, dedicação e empenho, conduziu os destinos de uma das mais importantes casas do Douro, sendo responsável pelo desenvolvimento e lançamento de diversos vinhos. Orgulhoso do trajeto que os vinhos portugueses, e mais particularmente os do Douro, têm feito, João Nicolau de Almeida está ciente de que a sua geração muito contribuiu para esta projeção. “Foi a minha geração que deu o pontapé de saída, que trouxe a ciência e modernização para a região do Douro, permitindo a criação de uma nova realidade na produção e comercialização de vinhos DOC Douro, e uma elevação da qualidade de categorias especiais de vinho do Porto”, conclui.
QUEM É JOÃO NICOLAU DE ALMEIDA?
Não sei quem sou. Apenas sei a minha origem. Provenho de duas famílias ligadas ao vinho. Do lado do meu pai, a família Nicolau de Almeida. Segundo o registo mais antigo, a ligação desta família com o vinho data de 1824. O meu pai, Fernando Nicolau de Almeida, o criador do Barca Velha, deixou-me uma marca muito profunda do que deve ser o vinho. Do lado da minha mãe, a família Ramos Pinto. Através de José António Ramos Pinto, meu tio, adquiri muitos conhecimentos na área da viticultura.
QUAL O SEU PERCURSO NO MUNDO DOS VINHOS?
Desde pequeno que segui o meu pai nas suas idas ao Douro. Com os castigos (devido a más notas no colégio) nos seus armazéns de Vila Nova de Gaia, lavava pipas durante as férias e dormia debaixo dos balseiros, absorvendo os aromas e complexidade do cheiro do vinho do Porto. Depois do liceu fui estudar para fora, pois em Portugal ainda não havia um curso de enologia. Assim, em 1970, fui estudar para Dijon, Bordéus e Davis, onde me especializei em Enologia, Viticultura e Química Agrícola. Em 1976, quando regressei ao Douro apercebi-me de como estávamos atrasados em relação aos conhecimentos adquiridos em França e USA, e o privilégio que foi ter vivido esta experiência. Com mestres como Émile Peynaud, Ribéreau-Gayon e Roger Boulton, adquiri conhecimentos que ainda não tinham chegado ao Douro.
Nesse mesmo ano entrei para a casa Ramos Pinto, como diretor responsável de enologia e viticultura. Impulsionado pelo meu tio, José António Rosas, arregacei as mangas e deitei mãos à obra. Ao regressar ao Douro, o panorama apresentou-se-me primário e quase medieval. O meu tio levou-me à quinta de Ervamoira, no vale do Côa, e apresentou-me uma grande área plantada com cereal, bastante inóspita. Olhou para mim e perguntou-me o que íamos fazer ali. Percebi o seu desafio e apliquei-me a pôr em prática aquilo que tinha aprendido ao longo dos meus estudos. Desenvolvi quatro campos de experimentação, nas três sub-regiões (Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior), com as 12 castas aconselhadas pelos gurus da altura: José António Rosas, Taborda, Serôdio e Bruce Guimarães. Montei uma mini adega na quinta do Bom Retiro. Os ensaios de microvinificação foram feitos para estudar as 12 castas para a produção de vinho do Porto, e, por minha sugestão, apliquei também este estudo para a produção de vinhos DOC Douro. Os resultados foram comunicados no, então, Instituto Politécnico de Vila Real, em 1981. As castas selecionadas no final destes ensaios foram a Touriga Francesa, Touriga Nacional, Tinta Barroca, Tinta Roriz e Tinto Cão. Em Ervamoira montei um campo experimental de diferentes porta-enxertos e outros dois para estudar o comportamento da rega. Em 1990, a Ramos Pinto foi comprada pela Roederer. O meu tio, José António Rosas, reformou-se entretanto e eu acumulei o cargo de diretor técnico com o de administrador. Posteriormente, lancei o Duas Quintas DOC tinto, sendo o primeiro DOC da nova geração com qualidade e quantidade (80 mil garrafas) relevante para ter rentabilidade. O Duas Quintas branco apareceu em 1992. Um dos meus desafios foi também o desenvolvimento e melhoria dos Porto Vintage, tendo sido lançado o meu primeiro Vintage em 1982 e o último em 2015, nunca descurando os Porto Tawny, que são uma forte característica da Casa Ramos Pinto. A partir de 2001 passei a CEO, até 2017, data em que me reformei. Foram 40 anos ao serviço da Casa Ramos Pinto.
NA SUA ADEGA MANTÉM O TRADICIONAL OU CAMINHA AO LADO DA INOVAÇÃO?
Tanto na adega como na vinha seguimos a tradição e a inovação. A tradição porque acreditamos no conhecimento empírico e de sítio, acumulado ao longo dos anos, e que conta com os valores essenciais da Natureza e do Homem, conduzindo-nos ao equilíbrio e à sustentabilidade da vinha, e, por conseguinte, do vinho. Quanto à inovação, através dos conhecimentos científicos adquiridos, é possível “pegar” na tradição e transportá-la para o mundo atual, tornando-a rentável com a naturalidade necessária, conjugando assim tradição e ciência. Ou seja, o regresso ao passado do futuro. Não se trata de voltarmos ao passado, mas sim de otimizarmos a sabedoria e experiência dos nossos antepassados, continuando sempre a investigar, experimentar.
QUAIS OS REQUISITOS E EXIGÊNCIAS QUE SEGUE NA SUA VINHA E NA SUA ADEGA?
Um dos pontos fundamentais na Quinta do Monte Xisto, por nós assente, é não usar produtos sintéticos numa lógica de produção biológica e biodinâmica. Penso que somos das primeiras quintas no Douro a optar por este modo de produção, implementado desde o início da plantação, no ano de 2005. Neste contexto, o contributo dos meus filhos, pertencentes a uma nova geração de enólogos e viticultores, foi crucial. Tendo eles já uma aprendizagem e mentalidade de sustentabilidade, contrastavam com a minha formação mais tecnológica e de mecanização. Duas gerações que se contrapuseram e se complementaram. Trata-se assim de uma simbiose de dois conhecimentos diferentes. Em relação ao trabalho de adega, se na vinha escolhemos um princípio de conduta biológica, o mesmo princípio mantém-se na vinificação e envelhecimento, não faria, pois, sentido optar por um caminho diferente. Assim, na adega as uvas são vinificadas sem adição de leveduras ou qualquer outro tipo de produto enológico. Depois da fermentação transportamos o vinho para os nossos armazéns de Gaia, aliás como o meu pai fazia com o Barca Velha. Aí, as temperaturas são amenas e constantes, há muita humidade, o que proporciona um clima natural que não necessita de recorrer a climatização artificial. Para o armazenamento dos vinhos usamos toneis com cerca de 2 mil litros e pipas de 600 litros. A ideia é que o vinho alcance, na sua globalidade, um ponto de respiração ótimo, afinando-se, sem que a madeira transmita aromas e taninos em demasia. O vinho tem de saber a vinho.
FALE-NOS DAS SUAS CASTAS E DOS SEUS BLENDS.
Quanto aos blends, adquiri grande experiência com o meu pai e com o meu tio. Durante 40 anos foi uma busca constante do Graal! O Douro, sendo uma região de inúmeras castas, variadíssimos microclimas dependentes da altitude, exposição, sub-região, abrigo, etc., conduziu-nos às inúmeras categorias de vinho do Porto. Naturalmente, o Douro é um blend! Para além dos blends dos terroirs temos os blends das castas, ou ainda os dois simultaneamente. Para o Quinta do Monte Xisto usamos a casta Touriga Francesa como base estrutural, equilíbrio, capacidade de envelhecimento. A Touriga Nacional, a princesa com vistosas indumentárias, perfumada com aromas de extratos campestres, exibe a sua elegância. O Sousão, vermelho de tasca, rude de expressão, transmitindo vigor e graça. Lançámos agora um novo vinho tinto, o Quinta do Monte Xisto Oriente. Aqui trata-se de uma parcela exposta a oriente, plantada com as castas Tinto Cão e Tinta Francisca. É um vinho de características totalmente diferentes. Um vinho de cor mais suave, mais líquido, não deixando de ter uma estrutura complexa e uma força de aromas e potencial de envelhecimento incrível, deixando-nos extremamente bem orientados!
O QUE GOSTARIA DE VER, FUTURAMENTE, NOS NOSSOS VINHOS?
Gostaria que se desenvolvessem no sentido da preservação da sua identidade. Isto, não num sentido tradicionalista, mas sim num sentido inovador, a inovação que preserva a identidade de um lugar, da sua cultura, e não há cultura viva sem inovação. Para tal acredito que é necessário desenvolver mais estudos, desdobrar os terroirs que o Douro contém, a par e passo com estudo de práticas de agricultura e enologia que confiram ao vinho esses mesmos terroirs. Neste sentido, o desenvolvimento, estudo e promoção da agricultura biológica e biodinâmica é também fundamental. No contexto dos vinhos DOC Douro há mais liberdade para este tipo de abordagens, mas nos vinhos do Porto a liberdade está muito limitada por uma legislação complexa, que ainda não foi capaz de se adaptar á realidade atual.
HOUVE EVOLUÇÃO DOS NOSSOS VINHOS EM COMPARAÇÃO COM OUTROS PAÍSES?
Quando voltei do estrangeiro encontrei vinhos com alterações de elaboração e defeitos de gosto e aromas exteriores ao vinho. O grande sucesso do Duas Quintas em 1990 foi a apresentação, no mercado nacional e internacional, de um vinho com características tecnicamente modernas, sem defeitos e em quantidades significativas. Um vinho a saber a vinho… Com a geração a seguir à minha, tudo mudou. Com os enólogos já formados na UTAD, não sendo necessário emigrar para o estrangeiro, começaram a aparecer vinhos muito bons, mesmo excelentes, concorrendo com os vinhos das grandes regiões mundiais. As grandes revistas internacionais começaram a prová-los dando notas ao mais alto nível. Igualmente as revistas portuguesas têm contribuído para a melhoria e divulgação do mundo da vitivinicultura portuguesa. Já foi feito um trabalho fantástico pelos produtores, há uns anos ninguém sabia o que era Portugal no mundo do vinho. Esse trabalho continua a ser feito e a dar resultados. No entanto precisamos que haja uma voz global, através de uma instituição que divulgue e valorize a marca Portugal e as suas diferentes regiões. É muito difícil para os produtores fazerem esta divulgação sozinhos.
O VINHO PORTUGUÊS EVOLUIU MUITO. SENTE QUE A SUA GERAÇÃO FOI FUNDAMENTAL NESSE SUCESSO?
Penso que sim. Foi a minha geração que deu o pontapé de saída, que trouxe a ciência e modernização para a região do Douro, permitindo a criação de uma nova realidade na produção e comercialização de vinhos DOC Douro, e uma elevação da qualidade de categorias especiais de vinho do Porto. Até à geração dos meus pais a vinha estava separada do vinho. Foi com a minha geração que se começou a fazer a ligação da vinha ao vinho. A geração atual tende a fazer o vinho na vinha.
A história já vem do tempo do Sr Nicolau famoso tanoeiro de Almeida, segundo contava minha mãe Há um meato até meu avô Fernando Nicolau de Almeida provador, como se chamava na altura da casa Ferreirinha e grande especialista em vinho do Porto Criou casa só para envelhecimento , a casa Adolfo Oliveira .Seu filho também ele Fernando Nicolau de Almeida grande percursor dos vinhos de mesa feitos no Douro ficando conhecido por pai do Barca Velha. Na nova geração está a história do João aqui contada e já tem continuação nos seus filho