CARLOS ZORRINHO

 

COESÃO E PROPÓSITO

Esta é a última crónica que escrevo estando no exercício do mandato que me foi outorgado em 2014 e renovado em 2019 para ser deputado no Parlamento Europeu. À data da sua publicação, já terei provavelmente retomado a minha atividade académica na Universidade de Évora.

Sem contaminar procedimentos ou regras, procurei sempre levar para a política o que fui aprendendo na academia e devolver à academia a experiência que vou adquirindo no exercício dos mandatos políticos.

No Parlamento Europeu, no decurso de uma década profundamente desafiante para o mundo e para a União Europeia, pude participar ativamente na construção dos alicerces e no desenho da década digital, como relator ou relator-sombra em dossiers legislativos no âmbito da interoperabilidade, da portabilidade, da conectividade, da regulamentação dos mercados digitais ou da criação do espaço europeu de dados em saúde, tendo também representado a aliança dos Socialistas e Democratas na negociação do Programa Digital Europeu e do Programa Europeu do Espaço e dos programas de Valorização da Indústria Europeia de Defesa.

O pacto ecológico europeu, a transição energética e a descarbonização foram também áreas em que trabalhei com intensidade, sendo relator ou relator-sombra em dossiers sobre a economia circular, a governação da União da Energia ou o mecanismo de ajustamento carbónico transfronteiriço. Com o foco nas pessoas e na resolução dos seus problemas, fui progressivamente desenvolvendo uma dimensão geopolítica de intervenção, tendo presidido à Delegação do Parlamento Europeu para África, Caraíbas e Pacífico e sido relator permanente do Parlamento Europeu para a ajuda humanitária.

Ter visto chegar a bom porto o Acordo de Samoa, com uma dimensão parlamentar reforçada em relação ao anterior Acordo de Cotonu, envolvendo mais de 100 países de quatro continentes numa parceria multilateral para a paz e a cooperação entre iguais e ter visto aprovada por maioria massiva a “Estratégia inovadora para a ajuda humanitária: as crises atuais e esquecidas em foco”, que elaborei e negociei com grande participação dos diferentes atores no terreno, foram momentos marcantes e um legado que me orgulha para o ciclo que agora se inicia.

Termino esta crónica em jeito de balanço e perspetiva, sublinhando duas convicções fortes sobre o que, em meu entender, fará a diferença no futuro do projeto europeu.

Em primeiro lugar a coesão interna da União vai depender da sua capacidade de ser relevante enquanto parceria multilateral, e não se deixar esmagar entre blocos nem capturar por nenhum deles. Em segundo lugar, a extraordinária máquina de negociação e de decisão democrática da União não se pode esgotar no processo e precisa avivar todos os dias o propósito que lhe dá sentido. A paz, a liberdade e o desenvolvimento sustentável, humano e humanista, que são as suas raízes de diferenciação e amarração no meio da tempestade global.

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