ABRIL DE SOMAR
Tanto mar, tanta gente, “foi bonita a festa, pá”, tal como cantou Chico Buarque numa das mais icónicas e belas canções de abril! Preparada com método e empenho por todo o país, envolvendo instituições e associações públicas e privadas, motivando múltiplas organizações da sociedade civil e envolvendo gentes de todas as idades e territórios de vida, a celebração do cinquentenário da Revolução dos Cravos soltou-se de todas as programações e inundou de povo, de música e de alegria as avenidas e praças de Portugal. Pasmadas pelo fenómeno, rádios e televisões saíram à rua e passaram em direto uma certidão de vida a um país estonteado, mas de bem com a liberdade.
Não tomemos, no entanto, a nuvem por Juno. Na outra face do país que cantou em comunhão a Grândola Vila Morena, ficou muita gente triste e sombria, acossada em casa, acantonada nas redes sociais, refugiada nos novos bairros da internet, focada na diluição dos símbolos, fazendo do 25 de novembro o que ele não foi (e foi tanto e tão importante), esperando o dia em que tal como o voto contra abril se normalizou, também a rua normalize o revisionismo histórico e a contestação massiva aos direitos e aos progressos que brotaram da liberdade e da abertura de Portugal ao mundo.
O país polarizado que as eleições legislativas revelaram de forma crua e brutal, não desapareceu por magia na vibrante e soalheira última quinta-feira de abril deste ano. Não podemos fazer da pujança da festa que nos inebriou de esperança um motivo de distração com o risco do que ainda pode vir a acontecer. É preciso aproveitar o momento para reconciliar o país consigo mesmo e fazer a pedagogia de uma pluralidade construtiva, onde caibam todos os que são Portugal inteiro, num quadro de reforço das instituições livres e democráticas que a revolução nos outorgou.
Entre as palavras sábias de Aguiar-Branco e as imponderações desmesuradas de Marcelo Rebelo de Sousa, a celebração de abril mostrou como é possível e saudável conciliar as diferenças de opinião e de perspetiva, as alternativas de programa e de prioridades ou as diversidades de ideologia e de matriz cultural, com o respeito por valores unificadores de paz, liberdade, democracia e respeito mútuo. É possível, mas é um caminho cheio de minas e armadilhas onde a ingenuidade pode ser fatal.
Entre os que não celebraram abril, temos alguns que o ódio já corroeu até ao tutano da irreversibilidade, outros que sobrevivem à tona ou nas profundezas das fraturas que provocam, mas também muitos que anseiam por um raio de sol que os desperte para uma participação cívica sem outros limites para além dos que são traçados pela Constituição que nos rege. Entre um caminho de somar e um caminho de dividir, temos que ter o engenho e a arte de seguir o primeiro.