POR UMA ONU DOS DADOS
Há décadas anunciada, a grande revolução da Inteligência Artificial (IA) chegou finalmente ao patamar do debate generalizado na sociedade. Personalidades com nome na praça apelaram a que se parasse a vaga, como se fosse possível proibir a evolução científica e tecnológica, esquecendo que a travagem do desenvolvimento da ciência com bom propósito escancara as oportunidades e as vantagens comparativas, ainda que ilegais, de quem a desenvolve para manipular, controlar e destruir as raízes da evolução milenar da humanidade.
Até muito recentemente, na avaliação do impacto da IA o conceito-chave foi o tratamento automático, ou seja, a dimensão artificial. Nesse contexto, era apropriado dizer que as máquinas não tinham emoções e, em consequência, apenas podiam emular os comportamentos humanos, ainda que o pudessem fazer com muito mais eficácia e eficiência. Dizia-se então com fundamento que muitas tarefas repetitivas e estruturadas estavam condenadas a serem desempenhadas por robots artificialmente inteligentes.
A aceleração tecnológica, a velocidade de processamento, o disparar dos recursos de conectividade quase ilimitada e instantânea, a geração exponencial de dados acessíveis e a capacidade humana de desenvolver algoritmos cada vez mais potentes soltou o balão e tornou a IA generativa.
O foco no artificial passou, através da aplicação da inteligência científica e digital, para a capacidade das máquinas devidamente municiadas do software de nova geração gerarem novas combinações, novas avaliações e novas conceções. Chegámos assim ao espantoso mundo das máquinas que falam e que escrevem, que respondem e que pensam, embora ainda estejam na fronteira limite de serem capazes de pensar o pensamento, nódulo existencial supremo que diferencia o humano do humanoide.
Essa fronteira, no entanto, não é inexpugnável. A partir da IA que gera, emergirá a IA que regenera, ou seja que elabora sobre o que é gerado e cria novas realidades e novas abordagens sistémicas, que nas piores distopias podem não deixar espaço para a humanidade tal como a conhecemos.
Chegou o tempo de agir. Não o tempo do espanto ou da negação, mas o tempo da ação. Não obstante o balão estar solto, ainda está ligado a nós por um fio de prata. O fio dos dados e dos propósitos com que os usamos. Se formos tendencialmente bons, teremos ferramentas que nos ajudarão a ser melhores. Se formos tendencialmente maus teremos ferramentas que nos ajudarão a ser piores.
O novo verbo são os dados. A internet é cada vez menos o espaço de liberdade que já foi e cada vez mais um território demarcado na geopolítica emergente. Se assim é com o mensageiro, assim será também com a mensagem, se não conseguirmos criar um património comum da humanidade no acesso aos dados fundamentais para fazer face aos grandes desafios globais. Precisamos, mais do que nunca, de uma Organização das Nações Unidas para salvaguardar esses dados. Para salvaguardar o nosso futuro coletivo.