CARLOS ZORRINHO

TEMPO – Escrevo este texto, imerso num cenário marcado pela tenebrosa reaparição da guerra na Europa e quando se vão aliviando progressivamente as restrições impostas pela pandemia, e entre muitas outras consequências, se começa pouco a pouco a ter possibilidade de voltar a fazer presencialmente algumas reuniões e encontros de trabalho. Durante os últimos dois anos, na representação política e na academia, áreas pelas quais tenho repartido a maior parte da minha vida profissional e que conheço melhor, o recurso ao onlinepara comunicar e interagir afirmou-se como uma vaga poderosa e capturou quase plenamente as agendas, permitindo manter, ainda que de forma diferente, uma intensidade de trabalho pelo menos equivalente.

Em pouco tempo passámos a tratar por tu ferramentas de que muitas vezes só conhecíamos o nome, assistimos e participámos no seu desenvolvimento, sentimos que as próteses cognitivas de acesso que já usáva-mos para auxiliar o nosso desempenho, se foram tornando pouco a pouco próteses ou plataformas operativas, escritórios virtuais, territórios de troca, aprendizagem, negociação, comunicação e decisão mais ou menos participada e interativa. O online tornou, para quem tem os meios tecnológicos, as competências e os meios de acesso necessários, muito mais fácil promover reuniões e eventos, trocando distâncias físicas que se evaporaram, por distâncias psicológicas que cresceram amarradas à redução da empatia que a proximidade física potencia de uma forma que nenhuma plataforma virtual consegue reproduzir.

De repente, num mesmo espaço de tempo tornou-se possível fazer mais reuniões e mais presenças virtuais, cortando o tempo das deslocações físicas que proporcionam as presenças reais. Muitos estudos estão a ser feitos e muitos outros serão realizados sobre o impacto na produtividade, na qualidade dos desempenhos, no bem-estar físico e psicológico decorrente da transformação. A minha perceção empírica é que se perdeu em profundidade e solidez. No meu caso, nos últimos dois anos, fiz muito menos missões, visitas e reuniões presenciais, e muito mais reuniões solicitadas por pessoas, empresas ou associações do que fazia antes, beneficiando do online. Participei em mais conferências, seminários, palestras e outras formas emergentes de webinars, tive mais reuniões de debate ou de negociação de relatórios de iniciativa, propostas, memorandos, regulamentos ou outras peças legislativas, mas sinto que chegando mais longe e a mais gente, não o consegui fazer com a mesma densidade de envolvimento e interação.

Agora que o presencial vai voltando, sabemos que o virtual veio para ficar e os dois modelos vão coabitar nas nossas agendas. Mas não nos iludamos. Se a admirável aceleração nos roubar o tempo de olhar, respirar, pensar e repensar, refletir e ponderar, bateremos recordes quantitativos, mas podemos correr o risco de isso não ter uma correspondência na qualidade e na profundidade das decisões que coletivamente seremos levados a tomar. E são muitas e decisivas aquelas que nos confrontam.

 

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