A VERDADE É COMO O AZEITE? Se tudo está a mudar com tal aceleração que não são poucas as disrupções em muitos setores e atividades, estranho seria se também a forma de comunicar não estivesse em profunda transformação. E está. Para alguém como eu, que depois de décadas como académico com participação cívica muito ativa comecei a ser sucessivamente eleito ou democraticamente designado para representar os meus concidadãos em funções de carácter político, a comunicação é um instrumento chave de prestação de contas e de demonstração de propósito e coerência. Os limites da liberdade de expressão estão em profundo debate nas sociedades democráticas, num contexto em que se exige das redes sociais que se autorregulem e que filtrem tanto quanto possível as informações falsas ou os discursos de ódio, fazendo-o num quadro em que a maior atenção é despertada pelas notícias que se aproximam das fronteiras éticas e muitas vezes as ultrapassam. Este tema desperta muitas interrogações. Como e quem define as fronteiras éticas, separa a verdade da mentira, determina o aceitável na dialética da defesa das ideias ou das mundividências? Nenhuma destas questões tem resposta fácil, sobretudo em sociedades de matriz democrática. Tinham as plataformas o direito de banir Trump pelo incitamento à violência? O meu instinto imediato de resposta é que sim. Mas porquê só agora? Deve ser tido em conta o conteúdo ou o também o potencial impacto do emissor, ou seja, se fosse outro que não Trump a escrever o mesmo, também deveria ter sido banido? Regresso à comunicação política como instrumento de transparência e escrutínio dos mandatos. Costuma dizer-se, não sem razão, que uma ação política não comunicada é como se não existisse, exceto para os que são por ela diretamente afetados. O contrário também é verdade. Comunicar uma ação política sem consequências diretas, num registo de pura propaganda, é comunicar o vazio. Uma frase feita e sábia diz-nos que em comunicação, como em muitas outras circunstâncias, a verdade é como o azeite. Quando corresponde a algo efetivamente importante acaba por vir sempre ao de cima. Quando se comunica sobre o vazio, essa comunicação acaba por definhar e por se descredibilizar. Foi assim durante muito tempo, e talvez ainda seja no essencial, mas a aceleração e o peso crescente das redes sociais estão no mínimo a abanar algumas certezas. O conceito de tempo e a sua aceleração tornaram-se variáveis chave na eficácia e no impacto da comunicação. Se a verdade não se comunica rápido perde atualidade. Se a mentira não se revela depressa passa a ser parte do espólio do que pode ser verdade, e pior do que tudo, a poder mais cedo ou mais tarde reproduzir-se como tal. Temos que fazer tudo para que a verdade seja como o azeite, mas já não há azeite como o de outros tempos, nem os tempos ainda são o que eram.
PS: Verdade absoluta é a qualidade com que a equipa da Frontline tem mantido ao longo dos últimos 14 anos a edição regular de uma revista de alta qualidade gráfica e editorial. Tem sido para mim muito estimulante ser seu colaborador assíduo. Partilho com todos os que têm tornado possível este projeto de sucesso, a minha gratidão e os meus sinceros parabéns.