SIMETRIAS – Entre muitas outras consequências em todos os domínios da sociedade e dos ecossistemas, o impacto da pandemia destapou as múltiplas e inaceitáveis assimetrias a que a aceleração competitiva, focada nos resultados económicos e financeiros e sem cuidada atenção aos impactos sociais e ambientais, conduziu a humanidade.
Assimetrias no acesso à riqueza, ao conhecimento, à saúde e ao bem-estar, aos direitos e aos recursos básicos. Assimetrias no controlo das cadeias de valor, no uso dos dados e na disponibilização de informação fidedigna. Assimetrias no desenvolvimento dos territórios, no seu povoamento, na participação dos cidadãos e na massa crítica para o desenvolvimento sustentável e o progresso da humanidade. Em Portugal, não obstante o enorme esforço de mitigação resultante da aplicação de políticas públicas robustas de apoio à sobrevivência do tecido económico e social e ao esforço conjugado para generalizar respostas de saúde e proteção com qualidade, essas assimetrias também ficaram expressas, com especial relevância nas valas fundas que separaram as condições de resiliência dos trabalhadores precários e das micro e pequenas empresas em relação aos outros profissionais e empresas, e as que diferenciaram os estudantes com contextos familiares e tecnológicos adequados ao ensino à distância, dos que tiveram que enfrentar o fecho da escola presencial sem acesso a uma rede social e tecnológica mínima.
O Governo, as autarquias, múltiplas instituições de solidariedade e uma parte significativa da sociedade civil mobilizaram-se para dar as respostas possíveis e minimizar conjunturalmente o fosso. O Plano de Recuperação e transformação será uma oportunidade a não desperdiçar para lhe dar uma resposta estrutural, modernizando e regulando o mercado de emprego, reforçando o tecido empresarial e os instrumentos de proteção contra riscos sistémicos e aplicando um plano conjugado de melhoria das condições de habitação, qualificação e acesso às tecnologias, para que estas ajudem a desenvolver uma escola presencial mais atrativa e inclusiva. Uma outra área, de entre as muitas em que a recuperação pós-Covid pode e deve ajudar a repor simetrias, é a valorização do território, em particular das zonas mais demograficamente esvaídas do interior, reequilibrando com o seu povoamento a pressão excessiva exercida sobre os grandes polos urbanos e em particular sobre as áreas metropolitanas.
Com uma percentagem significativa de funções e prestações de serviços a poderem ser asseguradas por teletrabalho ou online, sem necessidade de contacto presencial ou proximidade de uma estrutura física específica, ficam escancaradas as portas para uma migração de profissionais para zonas com mais qualidade de vida, desde que aí encontrem os acessos adequados às redes e serviços de qualidade no domínio da saúde, da educação e do lazer, numa intervenção estrutural e planeada para criar novas simetrias.