CARLOS ZORRINHO

A COR DA ELETRICIDADE – Com a descarborização rápida induzida pela necessidade de mitigar as alterações climáticas e proteger o planeta, a eletrificação da generalidade dos processos que consomem energia constitui um caminho determinante para atingir as metas ambiciosas e os resultados necessários. Contudo, quando se fala de eletrificação dos transportes, do aquecimento dos edifícios, de sistemas e mecanismos, não se está automaticamente a falar de um processo mais limpo, justo e transparente. A eletricidade não tem cor, mas se representarmos graficamente o seu contributo para a redução de emissões ou para a generalização do acesso e redução da pobreza energética, verificaremos que estaremos perante verdadeiros arco-íris de possibilidades. Para ser limpa, a eletricidade tem que ser produzida a partir de fontes limpas e ser distribuída e utilizada de forma eficiente para não gerar emissões colaterais. Da mesma maneira, para ser facilmente acessível, as condições de mercado e a fiscalidade têm que ser adequadas e conformes ao princípio de que ela deve ser um bem de acesso universal. 

Neste domínio, a estratégia e as medidas que têm vindo a ser concretizadas pelo Governo português em consonância com o pacote europeu para as energias limpas e antecipando a concretização do pacto ecológico europeu (Green Deal) têm permitido tornar a eletricidade produzida e consumida em Portugal cada vez mais verde e por isso mesmo mais aliada da descarbonização. Em 2019, a energia renovável pesou 51% no consumo de eletricidade dos portugueses enquanto as fontes fósseis pesaram 49%. Este superavit renovável na eletricidade é fortemente simbólico, mas demonstra também o longo caminho que temos ainda a percorrer. Um caminho que é ainda mais longo e desafiante se tivermos em conta que o peso das renováveis no consumo total de energia ainda não passou a barreira dos 30%.  

No eólico, no hídrico, na biomassa, no solar ou no hidrogénio, por exemplo, temos grandes oportunidades de crescimento, com impacto nas emissões, na redução de importações, no aumento de autonomia estratégica, na criação de emprego e de riqueza, na atração de investimento e na incorporação de conhecimento gerado nos nossos centros de investigação e desenvolvimento. No domínio do acesso, depois da generalização da aplicação da tarifa social da eletricidade, a proposta de escalonamento das taxas de Imposto de Valor Acrescentado (IVA) constitui também um contributo importante para um acesso justo, uma redução da pobreza energética e uma modulação da fiscalidade em função dos impactos ambientais do consumo. A eletricidade é um fator de produção e um consumível incolor. A política energética pode e deve, contudo, dar-lhe cor. As cores da sustentabilidade e da justiça ficam-lhe bem.