CARLOS ZORRINHO

O ESTADO (GASOSO?) DA EUROPA – Escrever em finais de junho um texto sobre a atualidade europeia para ser publicado em agosto é cada vez mais arriscado. As mutações de contexto são quase diárias e com enorme grau de incerteza. Gilles Finchelstein, citado pela The Economist de 22 de junho, referia que antes da queda do muro de Berlim a Europa era constituída por blocos sólidos, depois tornou-se algo líquida e que hoje é cada vez mais gasosa. Surgiram, entretanto, referências a uma Europa quântica, ou seja, constituída por cordas voláteis que em cada momento se alinham para gerar diferentes quadros de realidade momentânea. A pergunta básica que atravessa os séculos está por isso mais atual que nunca na presente realidade europeia. Se o passado é histórico, o presente é caótico e o futuro, é utópico, ou dito de outra maneira, se a ordem é retroativa, o caos é efémero e a utopia é imaginada, como podemos continuar a fazer política e cidadania ativa de forma a assegurar que cumprimos os mandatos que recebemos e que damos aos cidadãos as respostas por que eles anseiam na sua vida quotidiana?

Na minha opinião, a resposta tem que combinar cada vez mais imaginação e significado, baseados em valores fortes. Temos que fazer com que as pessoas se envolvam na construção das visões de futuro, que passam a constituir um importante repositório de imaginação partilhada, e códigos de interpretação do que acontece e de indução dos comportamentos reativos ajustados.Vista assim, a “gaseificação” da União Europeia (e da ordem global em geral), usando a imagem de Finchelstein, pode ser encarada não apenas como um risco de erosão e conflito como efetivamente é, mas também como uma oportunidade de envolvimento de um número cada vez maior e mais diversificado de pessoas e instituições na nova mutação de estado físico, que numa visão positiva tenderá a ser uma migração para uma textura flexível, mas fortemente moldada pela sustentabilidade do planeta, pelo humanismo e o respeito pelas pessoas na sociedade digital, pelo bem-estar, pela segurança, pelos direitos humanos e pela pluralidade democrática.Destaco por isso de novo a ideia chave que nesta crónica quero partilhar: quanto mais volátil for a ordem ou a desordem global, mais importante é gerar visões fortes e partilhadas, capazes de fazer confluir interpretações e ações, enquadradas pelosvalores universais da liberdade, igualdade, solidariedade, tolerância e compreensão mútua entre os povos.Talvez a política já não seja exatamente aquilo que foi, mas a sociedade tem que ser tão política como tem sido ao longo dos tempos. No meio da aceleração, do efémero, do inconstante, prevalece aquilo que nos anima e que nos faz sonhar e fazer acontecer. Prevalece o sentido da vida, seja ele sólido, líquido ou gasoso. Nós moldamos o barro. Façamos uma Europa de que nos orgulhemos, como seus cidadãos e como cidadãos do mundo.