CARLOS ZORRINHO

O MURO

No momento em que escrevo este texto, continua, nos Estados Unidos da América (EUA), o braço de ferro entre a Administração Republicana e a nova câmara de representantes liderada pelos Democratas sobre a dotação orçamental a atribuir ao projeto de Donald Trump de construir um muro físico separando as fronteiras dos EUA e do México. O projeto de conclusão de um muro físico separando os dois países foi uma das marcas emblemáticas da candidatura de Donald Trump. É uma promessa que antes de ser concretizada teve já o condão e o efeito colateral de dar à esquerda mexicana uma vitória política que poucos podiam imaginar antes dos arremedos do presidente americano, elegendo como presidente do México o seu candidato López Obrador. Este braço de ferro, que mais cedo ou mais tarde se decidirá a favor do cimento ou do conhecimento, tem um valor simbólico que merece ser analisado. É o que farei de forma sintética nesta crónica. Em primeiro lugar o braço de ferro demonstra a importância de os países terem instituições democráticas fortes, capazes de fazer as adequadas verificações e balanços sobre as decisões políticas, temperando impulsos e assegurando a boa representação dos povos. Em concreto, Donald Trump é mais radical que muitas das cópias mais ou menos fiéis que foram ganhando eleições noutras paragens, mas atua num quadro institucional que o pode moderar com mais sucesso do que alguma vez poderão ser escrutinados e moderados os seus clones.  Em segundo lugar o “muro” define também uma fronteira simbólica entre a separação física num tempo em que tudo está interligado virtualmente e pode ser gerido a partir das redes de informação e comunicação. Verdadeiramente, o muro de Trump não é uma construção para controlar a imigração ilegal, mas um monumento para glorificar o isolacionismo e as ideias peregrinas da “América para os americanos” e da “América Primeiro”. Como referi antes neste texto, escrevo-o antes de conhecer o desfecho do braço de ferro em análise e mesmo tendo tempo editorial para adaptar o texto ao resultado, não o farei deliberadamente, porque o debate e a dicotomia têm valor de reflexão e análise em si próprios. Conhecendo o sentimento do povo americano, acredito que os Democratas não se atreverão a pôr em causa medidas que sejam fundamentais para a defesa e a segurança nacional e que, se bem aplicadas, são também um pilar da segurança global.  O que certamente não quererão de todo, ou sem uma contrapartida política forte, é gastar biliões de dólares num monumento que, a ser construído, será num futuro mais ou menos próximo uma atração turística e a marca de uma época de insanidade populista e regressão democrática no mais desenvolvido e poderoso país do mundo.