CARLOS ZORRINHO

A NOVA LEI DAS SESMARIAS

Portugal sempre foi um país atraído pelo mar. O nosso povo é gente do mundo, talhado pela história para as partidas e as chegadas e que se foi agarrando à terra mais pelo coração e pela saudade do que pela fixação massiva e pela transformação da sua base económica endógena. Esta força de sermos globais trouxe-nos a glória, mas também muitos ciclos de despovoamento e de dificuldade em manter o equilíbrio demográfico e social no território nacional. A conjunção de fatores climáticos anormais e imponderáveis numa base de previsão científica, de inadequação de meios às contingências e de despovoamento e incúria na gestão do território, conduziu o país a um verão trágico com enormes perdas patrimoniais e um número muito significativo de vítimas provocadas por um número brutal de fogos florestais. Atingiu-se, como noutros momentos da nossa história, um momento de não retorno e de disrupção, que exige uma resposta forte, articulada e profunda, que dificilmente agradará a todos no curto prazo, mas que é condição de segurança e bem-estar no médio e longo prazo. É tempo de uma nova “Lei das Sesmarias” levar o ordenamento e a racionalidade aos nossos campos, promovendo uma atividade económica sustentável, capaz de fixar as pessoas no território e proteger as suas vidas, os seus bens e os seus investimentos. Tal como D. Fernando promulgou em Santarém, em 28 de maio de 1375, um pacote de legislação régia para repor o cultivo das terras e o retomar das boas práticas nesse cultivo, incluindo a restruturação da propriedade e a possibilidade de coagir legalmente os relapsos, também o Conselho de Ministros de 22 de outubro de 2017 lançou um conjunto de medidas que, visando adequar os mecanismos de prevenção e resposta aos novos contextos e apoiar a reconstrução do tecido social e produtivo, inicie também uma nova era no combate ao despovoamento do interior e ao desordenamento nas suas fileiras produtivas, em particular na fileira florestal. São medidas transversais e que implicam um envolvimento de toda a sociedade portuguesa na sua concretização. Chegam-nos notícias de que em muitos pontos do nosso território as populações já colocaram as mãos à obra na modificação de práticas que se revelaram grandes obstáculos à contenção da tragédia. Nenhum processo de desenvolvimento sustentável do interior será bem-sucedido se não conseguir mobilizar pessoas qualificadas em número suficiente para criar uma massa crítica suficiente para a sua fixação em comunidades diversas, mas vibrantes. Os portugueses escolheram em referendo não regionalizar o poder administrativo em Portugal. O Governo tem, no entanto, no seu programa um ambicioso programa de descentralização. Depois deste verão, esse programa tem que ser ainda mais ambicioso e profundo.