CARLOS ZORRINHO

 

zorrinhoTRUMP: UMA TRANSIÇÃO?

Começa hoje a ficar clara a conjunção de circunstâncias que permitiram a Donald Trump conseguir um número de grandes eleitores suficientes para ser, a partir de 20 de janeiro, o 45.º Presidente dos Estados Unidos da América. Não foram os mais pobres nem os mais desfavorecidos que elegeram Trump. Esses deixaram de ser determinantes, porque, na sua larga maioria, já estão fora do sistema e só em percentagens ínfimas exercem o seu direito de escolha. Determinante foi o voto em Trump de uma significativa fatia de eleitorado tradicionalmente democrata, dos estados mais assolados pela progressiva decadência da classe média predominantemente branca e ligada aos setores industriais e de serviços, que a globalização, sem regras, levou à deslocalização para países com salários e condições laborais menos robustas. Trump é fruto de um voto massivo de protesto contra a situação vivida nos EUA, em que taxas de emprego razoáveis convivem com um enorme aumento das desigualdades, da precariedade e da quebra de condições de vida dos que ainda conseguem assegurar empregos nos setores tradicionais. Trump não é o líder de um projeto, mas o presidente eleito contra um caminho de abertura comercial em que não foi assegurada a proteção dos americanos médios contra a concorrência desleal em termos de regras ambientais, sociais e laborais. Face a esta constatação, que pode sem grandes alterações ser aplicada a outras escolhas que os povos têm vindo a fazer na União Europeia e um pouco por todo o globo, a questão-chave é saber se Trump, sendo fruto de uma circunstância, será um líder de transição até que essa circunstância se altere, ou se, pelo contrário, a prevalência da circunstância consolidará a base de apoio do novo presidente americano. Com Hillary Clinton colada à imagem de candidata do sistema e do modelo que foi derrotado, a resposta a esta questão, ou seja, a alteração da circunstância que permitiu a eleição de Trump, depende mais, a meu ver, da capacidade de sobrevivência e afirmação das propostas do senador Bernie Sanders. Com ele ou com outros protagonistas, o seu programa de ação constitui a mais estruturada alternativa progressista à afirmação da linha populista de Trump. Bernie, no seu livro Our Revolution (Profile Books, Londres, 2016), propõe-se derrotar a oligarquia, combater o declínio da classe média, garantir cuidados médicos universais, tornar a educação de alta qualidade acessível a todos, combater as alterações climáticas, fazer a reforma da justiça, em particular da área criminal, elaborar uma nova e mais justa lei da imigração, proteger os mais vulneráveis na sociedade e reforçar a transparência e a confiança dos cidadãos na democracia. Se um programa assim for proposto de forma credível aos americanos, Trump será uma transição, que dará um contributo para um virar de página na América e no mundo. Se falhar, também haverá um virar de página.      O sentido é que é mais difícil de prognosticar.