GRANDEZA PERDIDA?
Face à perceção geral de crise e ameaça provocada pela mudança acelerada das fontes do poder global em função da evolução demográfica e tecnológica, as velhas nações europeias com resquícios de cultura imperial agitam-se e revoltam-se com a impotência da União Europeia em representar a sua herança e a sua memória da grandeza passada. Esta incomodidade com o presente é natural e pode ser fecunda se ajudar a projetar uma nova etapa de consolidação do projeto europeu que recoloque a União Europeia numa posição de liderança em relação ao futuro económico, social e ambiental do mundo. Por outro lado, pode ser uma incomodidade trágica, se apelar a um regresso frustrado ao passado, em busca de uma glória e de um poder que se desvaneceu pela própria dinâmica da evolução das sociedades. O Reino Unido, que no dia 23 do presente mês de junho decide da sua continuidade ou não na União Europeia, é um exemplo de uma sociedade dilacerada entre as saudades do império e os sonhos de liderança do novo futuro. Entre a modernidade capaz de eleger para presidente da Câmara de Londres, a sua grande capital, Sadiq Khan, um advogado trabalhista de 45 anos, filho de emigrantes e crescido num bairro social, e o conservadorismo protecionista e nacionalista que pugna pelo fechamento do Reino Unido ao mundo. Paul Henri-Spaak, o político socialista belga que foi o primeiro presidente do Parlamento Europeu e que faleceu no já longínquo ano de 1972, disse que a Europa era a soma de um conjunto de países pequenos com outro conjunto de países que ainda não sabiam que eram pequenos. Esta intuição de Spaak é hoje mais atual do que nunca. Face aos desafios globais, cada país europeu, mesmo a Alemanha ou a França, é individualmente irrelevante para as grandes decisões. É a perceção da grandeza perdida e a memória imperial que renasce com a crise que estão a empurrar algumas velhas nações europeias de volta ao passado. A recuperação da sua grandeza não está, no entanto, nesse passado irrepetível. Está num futuro de cooperação e solidariedade. A União Europeia está a ser varrida por fortes ventos de sentidos contrários. Pela identidade partilhada da “geração” Erasmus, como exemplo extremo de um dos lados, ou pelas identidades imperiais renascidas, como exemplo do outro lado. Em nome da “grandeza perdida” pode-se perder de vez a grandeza do projeto europeu ou conseguir fazê-lo renascer da crise em que vegeta. É preciso que tenhamos todos a consciência de que o que quer que seja que vá acontecer está a acontecer agora. Somos nós os seus protagonistas e seremos nós os seus herdeiros.