CENÁRIOS GLOBAIS
Escrevo esta crónica, trespassado por dois sentimentos diversos. Por um lado tenho ainda bem presente a experiência gratificante de ter participado, no âmbito das minhas funções no Parlamento Europeu, num grande encontro global onde se juntaram milhares de pessoas de todas as culturas e experiências de vida, unidas pela vontade comum de garantir um modelo de gestão para a Internet, aberto, livre, assegurado pelos utilizadores, sem controlo dos governos nem das grandes corporações (Internet Governance Forum 2015 – João Pessoa – Brasil – 10 a 13 de novembro). Por outro lado a minha consciência sangra com a memória muito recente dos atentados de 13 de novembro em Paris, numa ação brutal contra alvos indiscriminados, ou seja contra todos e cada um de nós. Atentados que se seguiram a tantos outros atos selvagens, mais ou menos mediáticos, destinados a quebrar a confiança global, a disseminar o medo, a colocar povos e civilizações em confronto e a bloquear a cooperação por um mundo melhor. O mundo global em que vivemos é cada vez mais um emaranhado de universos mais ou menos convergentes, e uso esta metáfora num plano meramente sociopolítico e sem qualquer intenção de me aventurar nas teorias da física moderna. Efetivamente, ao mesmo tempo que se luta com afã para que também os territórios virtuais possam ser territórios de liberdade, o terrorismo amarra ao medo interior de cada um a mais simples vivência do quotidiano, como a ida a um café, a um restaurante, a um jogo de futebol ou a um concerto. Tudo isto está ligado entre si em frágeis equilíbrios, porque nas várias redes da globalização física ou virtual se pode praticar o bem ou o mal, em função do propósito, dos valores e da ética de quem usa essas redes. Tenho no meu cérebro as imagens da conferência global da Internet, verdadeira torre de babel de visões e contextos em busca de consensos e parcerias alargadas, numa alegre metáfora do mundo à procura de respostas para ser melhor, e ao mesmo tempo as imagens dos corpos despedaçados pelo ódio da intolerância e do fanatismo. Interrogo-me sobre que cenário global vai prevalecer e por quanto tempo ambos conviverão sem que um esmague o outro, ciente de que a luta entre o bem e o mal é intrínseca à evolução. A grande diferença é que nos cenários globais em que hoje agimos, a consciência da luta entre o bem e o mal é traduzida em cada momento numa consciência global dos conflitos e das oportunidades, perante cuja imensidão corremos o risco de ser tentados a desistir de tomar partido e ser protagonistas. Mas tal como na governação da Internet o modelo final é o que resulta do trabalho de todos, também na luta pela liberdade, pela igualdade, pela fraternidade, pela dignidade e pela felicidade, o que cada um fizer é o fluxo matricial que muda o curso da história. São as pequenas coisas ao nosso alcance que mantêm acesas as luzes da esperança. Mesmo nos cenários globais.