Francisco é o grande líder global do primeiro quartel do século XXI. Sou crente, mas não é nessa condição que o afirmo. No plano dos valores, mas também da economia e da sociedade, o seu desafio para que seja dada prioridade ao “cuidado pela casa comum” presente na encíclica “Louvado Sejas” é um extraordinário manifesto de mobilização. Se evoluirmos para uma governação global, as ideias de Francisco, enxutas das referências religiosas que seriam um potencial fator de divisão, podiam estruturar um manifesto para uma sociedade mais viável, mais comunitária e mais feliz. Tentarei mostrar como, nesta crónica estival.Não pretendo fazer aqui uma síntese da encíclica. Basta-me acicatar a curiosidade dos leitores para a sua leitura crítica. Sublinho apenas aquelas que me parecem as duas ideias mais fortes da tomada de posição. A importância das pessoas como foco do progresso e do avanço tecnológico e a necessidade de preservar o Planeta como património da humanidade como um todo. No fundo, tudo se traduz num sentido humanista profundo. As pessoas devem estar sempre primeiro e não se podem colocar as pessoas primeiro se não se respeitar e preservar a sua dignidade e o seu habitat. Francisco confronta os decisores com as suas responsabilidades, mas confronta também cada ser humano com o seu contributo para a solução. Não propõe estratégias de mitigação, mas opções de mudança radical. Ilustra por isso a sua encíclica com exemplos concretos e com opiniões técnicas e políticas sobre os grandes sistemas em que assenta a globalização. Deixou por isso de ser genérico e consensual, como tendiam a ser muitas das encíclicas papais, para gerar o debate e a controvérsia. Voltando ao pressuposto deste texto, o debate que Francisco gerou só abona em sua defesa. Agradar a todos e gerar a indiferença ou a tolerância já não chega para enfrentar os problemas do mundo. É preciso confrontar para ousar unir os povos num novo paradigma. As soluções, sejam as de Francisco ou outras, já não são soluções de continuidade, de ajustamento ou de adaptação. É um tempo novo aquele que Francisco proclama e para o qual nos convoca. Estaremos nós, como S. Francisco de Assis, reconhecido inspirador da prédica, dispostos a deixar o conhecido e partir para o que há de ser feito à nossa imagem renovada e revivificada? Esta ideia de partida, radical em Francisco, pode ter matizes várias no nosso quotidiano. São múltiplos os portos donde podemos zarpar e os cais que podemos alcançar. Seguir o líder não tem que ser (quem sou eu para opinar sobre isto?) uma entrega total. Pode começar numa mudança de olhar e de atitude. Na coragem de novas escolhas. No tomar para nós da responsabilidade e da alegria de sermos vida. De sermos plenos.