CARLOS ZORRINHO

ZORRINHOCLIMA PARA MUDAR

Entre 13 e 17 de junho participei em Suva, capital das ilhas Fiji, na 29.ª Assembleia Parlamentar Europa – África, Caraíbas e Pacífico. Ao longo de cinco dias de debate intenso, foram abordados temas políticos de urgência e também temas com maior dimensão estrutural, sobre alguns dos quais gostaria de refletir brevemente com os leitores. Os temas que vou destacar são a relação entre a diversidade cultural e os direitos humanos e os impactos sistémicos do aquecimento global do planeta. A relação entre diversidade cultural e os direitos humanos é bem mais complexa do que parece num primeiro olhar. É óbvio que o respeito pela cultura e pela identidade dos povos deve ser universalmente aceite e promovido. Não há justificação cultural ou de identidade para não respeitar os direitos humanos. As questões complicam-se no entanto quando se aprofunda a análise e se confrontam visões, muitas delas embrenhadas nas culturas dos povos há muitos séculos. Qual a fronteira para a definição dos direitos humanos? A declaração universal ou uma visão mais alargada que inclua conquistas recentes da sociedade moderna? Se incluirmos as conquistas recentes no conceito de família ou de liberdade individual nalgumas culturas, como tratamos algumas práticas ancestrais noutras culturas? Podemos aceitar por exemplo o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, hoje cada vez mais parte do acervo da cultura moderna, e condenar a poligamia consentida ou o casamento de jovens com menos de 16 anos nalgumas culturas tradicionais? E o papel das religiões? É possível usar, para a identidade religiosa, o mesmo critério que para a diversidade cultural? Como o leitor deve imaginar, o debate entre representantes de países tão diversos como os 28 da UE e os 73 de África, Caraíbas e Pacífico foi acalorado e a resolução aprovada refletiu uma base comum de consenso mínimo, para uma discussão que jamais estará concluída. No entanto o simples facto desta análise ser feita em fóruns parlamentares de forma aberta e em clima de tolerância mútua, significa um grande avanço. O aquecimento global foi um outro tema debatido exaustivamente. Sabendo que a reunião foi transferida de Vanuatu para Suva devido à devastação causada por um ciclone naquele arquipélago do Pacífico Sul, seria normal que o tema ganhasse visibilidade. O debate foi muito para além das proclamações de circunstância, inspirado também nos testemunhos do presidente de Kiribati ou de uma mãe das ilhas Marshall, apelando à comunidade internacional para que não deixe as suas terras serem submersas pela subida do nível dos oceanos, em função do aquecimento e do degelo polar. O desafio do clima é hoje um desafio global num duplo sentido. Global porque afeta todo o globo, mas global também porque exige respostas sistémicas na forma como a nossa sociedade se organiza e na forma como vivemos. Num tempo em que uma globalização focada nos negócios esquece as pessoas e o planeta, começa a existir, em função do impacto das mudanças climáticas, um verdadeiro clima para mudar. Uma oportunidade que a humanidade não deve perder e que ficou bem expressa no debate e na resolução sobre este tema, que espero que venha a influenciar positivamente os resultados da Conferência sobre o Clima que se realiza na primeira semana de dezembro em Paris.