O futebol, mais do que qualquer outro desporto, é a válvula de escape do globalismo em que vivemos, disfarçando em parte as suas misérias e potenciando noutra parte as suas virtudes. Nos últimos meses o fenómeno do futebol foi analisado de todos os ângulos possíveis e imaginários. Arrisco nesta crónica mais um ponto de vista. Um ponto de vista de quem adora o jogo e procura não encandear a luz da sua beleza nem esconder as sombras das suas facetas mais comerciais e dos sinais de corrupção que o ameaçam. Motivados pela realização do Campeonato do Mundo no Brasil, em que a máxima do futebol “são onze contra onze e no fim ganham os alemães” foi mais uma vez confirmada, jornalistas, sociólogos, psicólogos, economistas, engenheiros, criminalistas, gente da cultura e simples apreciadores do fenómeno estudaram o lado negro do negócio, o lado poético do jogo, o lado bélico do confronto e a força imensa de um jogo global em que um longínquo país africano se pode bater em pé de igualdade com a maior potência do planeta. A festa da bola mostra bem todos os riscos do globalismo. As redes de interesses, os negócios sem transparência, a captura parcial do Estado de Direito pela independência da justiça desportiva, os rumores da lavagem de capitais, a exploração de jogadores e outros males que se percebem mais do que se comprovam. Mas por outro lado a festa da bola abre veredas e pode inspirar-nos para o que poderá ser uma globalização saudável. O sentido de pertença a um fenómeno global, capaz de unir povos e nações dilaceradas, reconciliar inimigos ou abraçar desconhecidos. O futebol é um jogo em que as grandes potências aceitam com dor, mas com fair play, cair às mãos das suas periferias, em que a Rússia pode ser afastada pela Argélia, os Estados Unidos pela Bélgica, a Itália pela Costa Rica e em que um potentado como a China nem sequer consegue classificar-se. Nas minhas funções parlamentares em Bruxelas, pude ver com particular proximidade o fenómeno cosmopolita da festa da bola. Todos os dias a Praça do Luxemburgo, mesmo em frente ao Parlamento Europeu, tinha uma ou mais comunidades em comemoração. Holandeses, alemães, franceses e também argentinos ou brasileiros. Infelizmente os portugueses só se puderam juntar com o seu sentido cosmopolita às festas alheias. Quando a Bélgica ganhava, não se distinguiam Flamengos, Valões ou simplesmente cidadãos de Bruxelas. Todos regavam com a boa cerveja local o orgulho nacional. Sim. O orgulho nacional belga! Até esse renascia com um golo da “Diabos Vermelhos”. A festa da bola é mágica.