CARLOS ZORRINHO

O PECADO ORIGINAL

 

Quando a crise financeira nos Estados Unidos começou a ameaçar contaminar todo o mundo e a zona euro em particular, as instituições europeias deveriam ter criado de imediato um mecanismo preventivo e dissuasor dos ataques especulativos. No entanto, sobre a linha ética e política adequada veio a sobrepor-se uma linha moral de duvidosa consistência e contrária aos princípios fundadores da União. Em vez de resolver a crise através de um mecanismo de cooperação preventiva, alguns países mais fortes do Norte da Europa, com a liderança da Alemanha, decidiram promover uma ação punitiva a alguns dos países mais fracos do Sul. Primeiro com foco nos designados PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) e depois com medo da contaminação a França, restringida à Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre, colocando uma “cereja” do Norte para disfarçar. Foi um erro tremendo e um pecado original que levou o sofrimento e o empobrecimento a esses países, mas que, como se verá a prazo, enfraqueceu toda a Europa e acabará também por ser expiado por quem o cometeu. Esse pecado original das instituições europeias não iliba no entanto quem em países como Portugal aceitou a pena de empobrecimento compulsivo sem reação e dando sinais de um estranho contentamento. Quem a aplicou com estranho empenho e quis mesmo amplificar o seu impacto. Um pecado por não ser original não deixa de ser pecado. É mais fácil entender quem peca por sobranceria sobre terceiros, do que quem peca por ação e omissão sobre o seu próprio povo. Quem tanto mal fez à nossa economia e à nossa sociedade procura agora a redenção apostando tudo no fim da intervenção externa no final de maio. Confundem intervenção externa com a visita periódica de altos funcionários focados sobretudo na proteção dos credores. É uma confusão que dá jeito, mas é grosseira e pouco operativa. Enquanto a receita do empobrecimento e da austeridade não for rasgada, enquanto a despesa não passar a ser gerida em vez de decepada cegamente e não surgirem incentivos positivos para a atividade económica e para a procura interna dos mais necessitados, num quadro de equilíbrio da balança externa, a intervenção externa continua e os indicadores económicos e sociais vão continuar asfixiados por um modelo que já foi experimental e que agora já se sabe que falhou. A não ser que o Governo seja masoquista e prossiga a receita experimental e declarada errada pelos factos, por reputados economistas e por Vítor Gaspar. Prosseguir essa receita por vontade soberana, a acontecer, será o terceiro pecado. Um pecado capital, ou seja, cometido em nome do capital (embora não me pareça que a prazo seja o melhor caminho para a sustentabilidade do nosso sistema financeiro) e contra as pessoas e as suas expetativas de realização no país em que nasceram.