CARLOS ZORRINHO

EUROPA MUTILADA

A derrocada da União Europeia (UE) está a ser o mais importante movimento geoestratégico do século XXI. Uma derrocada que acontece perante os nossos olhos e a que não podemos ficar alheios. Na grande maioria dos países da zona euro a recessão corrói a economia e a coesão social. Os índices de desigualdades agravam-se e atingem padrões inimagináveis. Até na Alemanha o crescimento é anémico e quase nulo, levando uma Merkel acossada a acusar Barroso de ser um promotor da austeridade, cenário caricatural e só possível porque as eleições de Setembro a colocam entre a popular estratégia da flagelação do Sul e o impopular ricochete dessa prioridade em casa própria. No Reino Unido foi o voto da esquerda trabalhista que permitiu ao primeiro-ministro conservador David Cameron adiar um referendo que neste contexto dificilmente deixaria de significar um rotundo não à continuidade na UE. A Europa está mutilada, ferida, desmobilizada e quase ignorada na cena política e económica mundial. Vive-se no Velho Continente um momento de disruptura e de escolha urgente perante duas alternativas e dois caminhos: a implosão ou a integração plena. Um cínico, perante os dados do problema, apostaria todas as suas fichas na implosão. No entanto, quem como eu pôde viver grande parte da sua vida inspirado pelo sonho europeu e beneficiou de meio século de paz e progresso não se pode render ao cinismo fácil. Não podemos privar os nossos filhos de um projeto que foi bom e mobilizador para a nossa geração. Por esta razão, considero que um novo passo de integração é mais do que nunca a aposta que, para todos os europeístas e federalistas convictos, faz agora sentido. Um passo que implica a eleição direta do presidente europeu e a construção duma estrutura de governação económica que integre, potencie, renove e reafirme o papel de um continente que tem mais de 500 milhões de consumidores, estruturas de inovação de ponta e instituições anestesiadas mas capazes de um novo fôlego de modernização. A Europa não pode continuar amarrada a uma Comissão Europeia silenciada numa torre de marfim, paga como uma consultora de luxo e reduzida a esse papel decorativo, a uma política externa de fachada e de gestão de exílios dourados e a uma presidência abúlica e sujeita à tenaz dos humores da chanceler e do seu guardador do tesouro. A União Europeia foi uma resposta corajosa à tragédia duma guerra devastadora. Antes que a guerra volte é preciso agir, ter visão, navegar para outros portos, construir outras ambições, traçar novas rotas comuns. Uma Europa mutilada é um espelho de comunidades diminuídas e indivíduos em fuga ou desenganados do futuro. Uma antecâmara da tragédia. Uma zona de conforto para os cúmplices e um aviso sério a quem ainda não se resignou. Para a União Europeia o comboio do futuro parou na última estação. Quem não entrar agora, não terá nova oportunidade.