CARLOS ZORRINHO

A FUSÃO

(UM EXEMPLO DE BOA REFORMA DO ESTADO)

 

A Universidade Clássica de Lisboa, com a liderança do professor Sampaio da Nóvoa, e a Universidade Técnica de Lisboa, com a liderança do professor António Cruz Serra, decidiram dar um excelente exemplo duma reforma virtuosa dos serviços de interesse geral e produtores de bens públicos, iniciando por livre iniciativa um processo de fusão entre as duas instituições. É de elementar justiça relevar a coragem, a inteligência e a persistência dos reitores e das suas equipas na escolha que fizeram. Ter dimensão competitiva é hoje uma condição essencial de sucesso. Sampaio da Nóvoa, Cruz Serra, os Conselhos Gerais e as estruturas de colaboradores da Universidade Técnica e da Universidade Clássica perceberam-no e praticaram-no. No atual contexto de governação, as Universidades Clássica e Técnica correm no entanto um risco de canibalização pelas Finanças. O ministro Nuno Crato, para grande surpresa e desilusão de muitos defensores da sociedade do conhecimento, não mostrou, em nenhum momento, ser um combatente pela garantia do financiamento do ensino superior e da investigação científica, e o pretor das Finanças não perdoará, se puder ver na fusão uma oportunidade de corte financeiro ou arrecadação de receitas. Este exemplo é crucial para ilustrar o debate que se deveria fazer sobre a Reforma do Estado em Portugal. Um debate focado no essencial e não na decapitação de recursos do Estado Social e na delapidação do seu potencial de resposta. O investimento público nas funções sociais não é em Portugal superior à média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) ou mesmo da União Europeia ou da “Eurolândia”.    O que é inferior é a qualidade média dos serviços prestados e o seu contributo concreto para a competitividade da economia. Há duas formas de olhar para a sustentabilidade do Estado Social. A visão de Passos e Gaspar e do estudo que ambos encomendaram ao Fundo Monetário Internacional (FMI), baseada no corte abrupto do seu financiamento, ou a visão luminosa de Serra e Nóvoa, que radica na melhoria da qualidade dos serviços, com a sinergia entre estruturas e um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. Nóvoa e Serra têm afirmado com lucidez que o complemento necessário à fusão é o reforço da autonomia da nova instituição. O mesmo se aplica à generalidade dos serviços públicos, dos serviços desconcentrados do Estado ou das Autarquias. Reformar o Estado implica contratualizar níveis otimizados de resposta com financiamento definido e gerido com autonomia. Leis cegas como a lei dos compromissos são atropelos à boa gestão e normalizadores perniciosos entre as boas e as más escolhas. A fusão agora iniciada entre a Universidade Clássica de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa é um estudo de caso sobre a boa abordagem da Reforma do Estado que deve ser permanente e inteligente e um termómetro do nível de lucidez que ainda resta a este governo. É fundamental que seja um sucesso. Serra e Nóvoa e as suas Universidades merecem e Portugal precisa.