CARLOS ZORRINHO

O “EXCEL” DE COELHO

 A estratégia de consolidação orçamental do Governo PSD/CDS-PP baseia-se no princípio de que não há ajustamento sem empobrecimento. O raciocínio é linear. Se houver menos dinheiro na economia, haverá menos procura, fecharão empresas, aumentará o desemprego, baixarão os salários, haverá menos importações e novas empresas de baixo valor acrescentado florescerão para competir e exportar. O ajustamento da economia é feito em baixa. Um país mais pobre importará menos. Um país mais barato exportará mais. Este “Excel” (folha de cálculo com os principais fluxos financeiros esperados em função das variáveis e da sua gestão) que Coelho, Gaspar e Moedas aplicam em nosso nome, além de ter um marcado cunho ideológico, induz múltiplos efeitos colaterais perniciosos na vida das pessoas. Como muitos já disseram e eu sublinho, para quem nos governa, as pessoas não são motivação mas variáveis de ajustamento, e isso é inaceitável e só poderá dar, como já está a dar, maus resultados.Para além da pobreza, da frustração, das expectativas goradas, da neutralidade emocional e da falta de “coração”, o “Excel” de Coelho tem uma falha sistémica. Não integrou o impacto que o empobrecimento tem no aumento das prestações sociais e na cobrança de impostos. Por isso o Governo procura desesperadamente estourar com o Estado Social e vê-se na contingência de impor uma pressão fiscal asfixiante e letal para a economia e para a sociedade. Por causa dessa e doutras falhas, o “Excel” está também a fazer transbordar o país. O aumento da emigração tem sido brutal, mas desta vez com uma diferença em relação a outros momentos difíceis da nossa história. Agora, ao contrário do que aconteceu no passado, não são os menos preparados, ainda que fortes e destemidos, que emigram. São os mais qualificados. O impacto a médio prazo deste movimento pode ser arrasador. O nosso capital social e, em particular, o capital humano estão a ser delapidados a uma velocidade estonteante. Portugal sempre viveu e sobreviveu numa relação próxima com a sua diáspora. Mas se os que agora partem o fazem porque quem nos governa não conta com eles para o futuro do país, essa relação pode ficar irremediavelmente inquinada. Um governo é um governo. Atrás de tempos vêm tempos e outros tempos virão, mas não podemos deixar que o “Excel” de Coelho se agarre ao nosso destino e contamine a nossa ambição. Se as pessoas não contam no modelo, então devem desprezá-lo, lutar contra ele, mostrar que sem elas não há consolidação que seja viável e estrutural. Nos próximos tempos, cuja lonjura ainda não se descortina, cada um de nós tem que guardar em si a chama da esperança e determinação da resistência. Um “Excel” é um “Excel”. Se não nos tolher a vontade, será muito fácil de ajustar. É só acreditar em Portugal e nos portugueses, e fazer as contas incluindo o potencial que temos, a nossa força, o nosso direito ao bem-estar e à dignidade com compromisso. O mundo mudou. Não nos esperam facilidades. Mas ignorar as pessoas na visão para Portugal é um erro tremendo de gente que se pensa diferente e se posiciona acima das pessoas comuns, não entendendo que são essas pessoas, e não eles, a razão de ser de um país e de uma sociedade.