CARLOS MINEIRO AIRES

A PAZ, O PÃO, A HABITAÇÃO, A SAÚDE, A EDUCAÇÃO

No arranque do ano em que se comemoram 50 anos da Revolução de Abril de 1974 que, independentemente dos acidentes do percurso, permitiu que Portugal tenha um regime democrático e saísse do isolamento político mundial, com todos os ganhos que daí advieram, veio-me à memória parte de um refrão batido que me ocorreu repescar para mote deste artigo, sobretudo pela atualidade dos temas.

Passados 50 anos de vida em liberdade e em democracia, o que aos mais velhos diz muito e aos mais jovens nem por isso, pois não têm termos de comparação, e quase 40 anos depois de se ter tornado membro da União Europeia (UE), graças aos muitos milhões de euros que daí recebemos, o Portugal de hoje, reduzido à dimensão europeia, continental e insular, está muito diferente, para melhor, do país que então existia, apesar de envelhecido, empobrecido e na cauda da Europa.

Começando pela Paz, depois de resolvida a questão colonial e a guerra que nos exauriu os parcos recursos e causou milhares de mortes em ambos os lados da contenda, embora o trauma ainda persista e alguns procurem ressuscitar fantasmas de um passado enterrado e que não pode ser corrigido, vivemos tranquilos e a intervenção das nossas Forças Armadas resume-se a participar em missões humanitárias ou de manutenção da paz. Todavia, perante a ameaça que paira sobre a Europa e sobre o Ocidente, é esperar para ver.

Quanto ao Pão, temos um país com baixas pensões e salários, e apesar da qualidade de vida ter melhorado, não nos podemos orgulhar. Segundo os dados relativos a 2023 do “Inquérito às Condições de Vida e Rendimento” que o Instituto Nacional de Estatística publicou no início de dezembro, as conclusões devem merecer uma reflexão coletiva sobre as causas e possíveis soluções para salvarmos uma parte significativa dos portugueses da situação de miséria em que vivem.

O risco de pobreza atinge mais de 1,7 milhões de concidadãos, ou seja, cerca de 17% da população que tem um rendimento mensal líquido inferior a 632 euros. No entanto, essa percentagem só é possível graças às transferências sociais, pois, caso não existissem, o risco de pobreza seria ainda pior (21,4%), com particular incidência nas populações mais idosas que já não têm hipótese de recuperação.

Verificou-se, ainda, o agravamento da vida de 20% dos portugueses, que se reflete no acréscimo de atrasos no pagamento de rendas e prestações de crédito ou das despesas correntes da residência e, mais grave, a incapacidade de 2,5% da população ter acesso, pelo menos de dois em dois dias, a uma refeição de carne ou peixe.

Quanto à Habitação, ou melhor, a sua falta, tivemos um retrocesso. É o problema social mais grave que o país atravessa e que impede a fixação dos nacionais e daqueles que nos procuram para trabalhar e sobreviver,

Comecemos pelo pior: no final de 2023 existiam cerca de 13 mil pessoas “sem-abrigo”, número que agora será mais elevado, para o que o Governo aprovou uma nova estratégia que visa enfrentar um problema que nos últimos 6 anos mais do que duplicou e parece não ter fim à vista.

Portugal também regista uma das mais altas percentagens da UE em pobreza energética (21%), indicador que traduz a inexistência de condições financeiras para aquecer a casa no inverno e mantê-la fresca no verão, e tem um parque habitacional em que cerca de 40% dos fogos estão profundamente degradados.

As casas disponíveis não chegam para a procura, a escassez levou ao aumento das rendas para valores incompatíveis com os rendimentos dos cidadãos da classe média, os preços disparam continuamente por razões conjunturais, mas muito influenciados por atuações especulativas, e as prestações do crédito bancário seguem na mesma linha.

Durante décadas o Estado demitiu-se das suas obrigações sociais neste domínio e os senhorios, que o substituíram durante décadas, voltaram-se para negócios muito mais rentáveis, como é o caso do alojamento local, cuja aceitação pela comunidade está longe de ser pacífica, não tanto pelo lucro, mas mais pelo incómodo. Agora naufragamos: jovens e idosos, nacionais e imigrantes, estão todos no mesmo barco.

No que respeita à Saúde, que parecia estar no bom caminho, desmoronou-se progressiva e lentamente, e o SNS deixou de ser o paraíso que esteve perto de ser. Grassa a desorientação, os que apregoavam soluções para todos os males, quando chamados a resolvê-los, apercebem-se de que a solução afinal não é fácil, e todos os dias somos confrontados com consequências fatais de problemas que se avolumam e cujas causas ninguém explica de forma clara, tal é a disparidade dos argumentos usados nas múltiplas intervenções de atores em permanente rotação.

Tudo isto é ainda mais estranho quando a oferta hospitalar é muito melhor do que no passado, quer em instalações, quer em quadros, mas a verdade é que os resultados e os danos sociais são visíveis, as queixas aumentam e as soluções tardam.

Por último, falemos da Educação para assinalar o salto notável que, desde 1974, foi dado em todos os níveis escolares (básico, secundário e superior). O maior acesso ao ensino superior funcionou como um elevador social, quando há 50 anos apenas 1% da população lá chegava, e a economia ganhou com estas qualificações.

Hoje, a taxa de analfabetismo será de 3%, contra os 26 % que se registavam em 1970.

Atualmente, 95% da população tem o primeiro ciclo e 88% concluiu o secundário (5% em 1970), o número de matrículas no ensino superior aumentou cerca de 8 vezes desde 1974 e temos universidades e investigadores de referência internacional.

Lamentavelmente, a falta de professores não permite o devido início dos anos escolares do ensino secundário e as vocações não abundam. Apesar deste problema bicudo, a Educação é, no contexto do refrão, o exemplo de sucesso.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *