SOBERANIA NACIONAL E ÁGUA
A soberania de um país fundamenta-se na autoridade e independência que o Estado possui dentro das suas fronteiras territoriais, ou seja, o poder exclusivo de fazer e aplicar as suas próprias leis, tomar decisões políticas, económicas e sociais sem interferência externa ou constrangimentos.
A soberania passa pelo reconhecimento internacional da autonomia do Estado em assuntos internos e externos e pelo respeito pela sua postura, sobretudo quando estão em causa questões de dimensão internacional, como é o caso de direitos humanos, causas climáticas e solidariedade. A independência económica e financeira e o facto de um Estado honrar os seus compromissos e respeitar as regras do espaço geopolítico onde está inserido é fundamental para a sua soberania e respeito internacional.
Perder a capacidade, ou ficar fortemente condicionado, de poder tomar decisões importantes para o futuro coletivo nacional é perder a soberania. Intervenções públicas ou atuações de grupos, nomeadamente estrangeiros, que visem condicionar ou restringir opções do Estado, é uma ingerência inadmissível na soberania de qualquer nação.
Infraestruturas modernas e eficientes são fundamentais para a economia e para garantir a soberania nas mais diversas áreas, caso da economia (resiliência, crescimento e competitividade), segurança e defesa, energia (produção e redes), conectividade e integração nacional e internacional (comunicações tecnológicas, aeroportos, portos, rodovia e ferrovia), desenvolvimento e coesão regional (serviços fundamentais), saúde, educação e habitação, abastecimento de água, saneamento básico, agricultura, etc.
O PAPEL DA ÁGUA
A água assume um papel preponderante pois é fundamental para a vida, para a saúdepública e para o crescimento da economia (produção de energia, alimentos, indústria e turismo), o que sinto estar pouco interiorizado na maioria dos cidadãos e marginalizado nas agendas partidárias. Um país sem água e sem agricultura será sempre dependente do exterior.
Grosso modo, os usos da água distribuem-se pela agricultura (75%), um uso não consumptivo onde a água é devolvida à terra embora com degradação da sua qualidade, consumo público (25%) e indústria (5%).
As origens da água podem ser: superficiais, provenientes basicamente da chuva e do seu transporte através da rede hidrográfica que a conduz para rios e lagos; subterrâneas, onde constituem aquíferos alimentados principalmente pela infiltração das águas superficiais. Portugal partilha com Espanha as bacias hidrográficas dos seus maiores rios, o que nos cria uma incómoda dependência de montante.
Como origem alternativa, para além da reutilização dos efluentes tratados, também existe a água do mar, onde o recurso a centrais de dessalinização para consumo humano está cada vez mais generalizado, já que para a agricultura e outros usos pode ter problemas face ao custo do processo e impactos nos rejeitados.
No caso das águas superficiais, os homens e os próprios animais desde sempre recorreram a represas para o seu armazenamento, o que permite a regularização interanual para consumo (humano e rega) e a fixação de espécies piscícolas, para além da produção de energia hídrica, no caso de barragens com dimensão adequada.
Nos aquíferos subterrâneos o processo de recarga processa-se de forma natural através da infiltração no solo das águas superficiais, salvo raras exceções onde os erros humanos já obrigam à sua recarga artificial para restabelecimento de equilíbriosviolados. Acresce que, quer nos casos das águas superficiais, quer nas subterrâneas, existe o risco de poluição e degradação da sua qualidade ao ponto de não ter utilidade.
A sobreexploração de aquíferos subterrâneos pode levar ao seu colapso se os volumes extraídos são superiores aos infiltrados e nas zonas costeiras, e em determinadas situações, pode permitir a intrusão dos aquíferos salinos, o que degradará irreversivelmente a qualidade da água que deixa de ser doce e passa a salgada,deixando de ter utilização futura.
USOS INSUSTENTÁVEIS
São demasiados os casos de usos insustentáveis que nunca deveriam ter sido autorizados em locais onde a água escasseia e não existe qualquer viabilidade ambiental para as intenções dos promotores. O último que, até ver, foi reprovado, visava criar uma plantação de 722 hectares de abacate regados a partir de 34 furos (!!!) de captação de água subterrânea, no concelho de Alcácer do Sal, numa zona já afetada pela escassez hídrica.
A pressão turística na costa alentejana, desde logo na península de Troia e no concelho de Grândola, levará à sobreexploração dos aquíferos subterrâneos e irá originar a sua degradação, não sendo por acaso que os promotores mais informados jáestão a apostar em unidades de dessalinização próprias.
Nada me move contra os agricultores, antes pelo contrário, hoje maioritariamente conscientes e tecnologicamente apetrechados, nem contra outros usos de cariz turístico ou de lazer, só que o problema da escassez está à vista e as soluções nuncaserão rápidas. Nas redes de distribuição e nas infraestruturas de rega as perdas e fugas são elevadíssimas por falta de investimento na manutenção e renovação das condutas e canais, originando incobráveis e maiores custos para os consumidores.
O caso do Algarve, que atravessa uma situação dramática, veio alertar-nos para a dimensão da situação, para a escassez do recurso e para a necessidade de soluçõesmais resilientes. Fazer repercutir os aumentos de custos em quem menos consome (setor doméstico) não me parece ser a opção mais justa, sobretudo quando aí estão englobados residentes e turismo.
Não estamos em risco de morrer à sede, mas a atuação, que obrigará a investimentos com elevados custos e prazos, tem sido reativa num cenário em que já percebemos que o clima mudou e o recurso escasseou.
Por ocasião do 17.º aniversário da revista FRONTLINE, felicito o projeto e todos os que contribuíram para a sua afirmação, a quem endosso o meu modesto agradecimento e desejo o maior sucesso para o futuro.